Preservar Amazônia é mais lucrativo que desmatar, diz economista
Segundo Ricardo Abramovay, economia baseada no conhecimento da floresta favorece inovação e riqueza.
[...] Temos a matriz energética menos emissora do mundo, quando o Brasil é comparado com países de importância territorial,
demográfica e econômica equivalente à sua. Nossos transportes contam igualmente com uma fonte não emissora, o etanol, usado
muito menos do que deveria, infelizmente, graças aos subsídios concedidos aos fósseis. Onde se concentram então nossas emissões?
Resposta: na destruição florestal. O Brasil e a Indonésia são os únicos países do mundo em que mais da metade das emissões
vem do desmatamento. E é importante não confundir devastação florestal com a própria agricultura, embora, com muita frequência,
a floresta destruída (e não só na Amazônia) dê lugar a atividades agropecuárias. A agropecuária responde por 22% de nossas emissões
graças a doisfatores: por um lado à fermentação entérica dos ruminantes da qual resulta um dos mais potentes gases de efeito estufa,
o metano. Como o Brasil possui o maior rebanho bovino comercial e é o mais importante exportador de carne do mundo, reduzir
estas emissões é um imenso desafio, que exige (da mesma forma que na indústria, na mobilidade e na energia) muita ciência e muita
inovação tecnológica. O mesmo pode ser dito das emissões derivadas do uso de fertilizantes nitrogenados na agricultura.
Mas, contrariamente ao que ocorre com a agropecuária, com a indústria ou com os transportes, zerar o desmatamento
(e, portanto, reduzir a contribuição do Brasil à crise climática) não é algo que depende de ciência e de tecnologia ou que exija
investimentos vultosos.
Cabe então perguntar: quais os custos de interromper a devastação? Será que desmatar a Amazônia não é o equivalente à
recusa da China e da Índia em subscrever um acordo climático ambicioso em 2009? Seria válido o argumento de que, da mesma
forma que, em 2009, os indianos e os chineses não tinham alternativa ao uso do carvão; a sobrevivência e o desenvolvimento dos 25
milhões de brasileiros que vivem na Amazônia dependem de sua possibilidade de colocar a floresta abaixo, nela implantando
atividades agropecuárias convencionais? Não estará a Amazônia presa a um dilema insuperável entre gerar renda para os que nela
vivem ou preservar a floresta? É fundamental enfrentar estas perguntas pois elas estão na base da tentativa de imprimir algum
fundamento racional àquilo que o Brasil e o mundo assistem hoje com tanto temor e tanta indignação na Amazônia.
O principal erro dos que toleram, compactuam ou promovem o desmatamento é não se dar conta de que desmatar a Amazônia
não produz nem riqueza, nem bem-estar. Na verdade, o desmatamento é o mais importante vetor da perenização do atraso e das
precárias condições de vida na região. Ele exprime uma forma primitiva de extrativismo que se materializa, por exemplo, na
importância do tráfico de madeira clandestina, que funciona como obstáculo à exploração madeireira sustentável, para a qual existem
tecnologias e até sistemas de certificação baseados no uso de blockchain, como mostram os trabalhos da BVRio.
Além disso, como é, na sua esmagadora maioria ilegal, o desmatamento na Amazônia funciona com base na formação de
quadrilhas que se especializam em invadir terras públicas e territórios pertencentes a comunidades indígenas e ribeirinhas. A
construção de pistas de pouso clandestinas e a contratação de motoqueiros (por parte dos pertencentes ao grupo de WhatsApp
que organizou, no dia 10 de agosto, o “Dia do Fogo”, conforme reportagem da revista Globo Rural) incendiando o capim seco
dos acostamentos nos distritos à beira da BR-163 e no município de Altamira, é apenas um entre vários indícios dos efeitos da
legitimação da destruição florestal sobre o tecido cívico da região.
Tão importante quanto a criminalidade ligada à esmagadora maioria do desmatamento na Amazônia é a avaliação que se
pode fazer hoje de seus resultados econômicos e socioambientais. [...]
Os trabalhos recentes de Carlos Nobre e Ismael Nobre listam um vasto conjunto de produtos do extrativismo com imenso
potencial econômico. Uma das bases para a exploração sustentável destes produtos é a unidade entre trabalho científico e a própria
cultura material dos povos da floresta. Um dos mais emblemáticos exemplos desta junção é a Rede de Sementes do Xingu, organizada
pelo Instituto Socioambiental. Populações indígenas e ribeirinhas coletam sementes que são selecionadas por técnicos da EMBRAPA
e do Instituto Socioambiental e vendidas a fazendeiros para que possam cumprir seus compromissos de reflorestamento. Mel, óleo
de pequi, copaíba, borracha, castanha são inúmeros os produtos de uso alimentar, farmacêutico e cosmético que a ciência, aliada aos
povos da floresta, pode revelar e ajudar a explorar de maneira sustentável. O selo Origens Brasil, que certifica estes produtos e já está
em grandes cidades brasileiras, acaba de receber um importante reconhecimento internacional por parte da Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU). É um exemplo das oportunidades do uso sustentável da floresta em pé com
produtos capazes de exprimir nos mercados os valores contidos na preservação da floresta e no respeito aos povos que nela
vivem.
A manutenção da floresta em pé não corresponde portanto a uma redoma de contemplação, economicamente paralisada.
Ao contrário, ela é um manancial de riquezas que se exprimem tanto em seus serviços ecossistêmicos e na cultura dos que aí
habitam como no valor de seus produtos. A equipe coordenada pelo professor Britaldo Soares-Filho da UFMG e o economista Jon
Strand do Banco Mundial estimaram o valor de alguns destes serviços. Em artigo publicado na prestigiosa Nature Sustainabillity, eles
mostram que o desmatamento de um hectare gera perdas anuais de até US$ 40 para a produção de castanha do Pará e US$ 200 para
a produção madeireira sustentável. Além disso, como o avanço do desmatamento compromete a produção de água por parte da
floresta, seus impactos sobre a agricultura e a produção de energia nas hidrelétricas são altamente ameaçadores.
Em suma, mais que apagar os incêndios que hoje a destroem, a Amazônia precisa de políticas que estimulem a emergência de
uma economia do conhecimento (e não da destruição) da natureza, que represente aquilo que temos de melhor: a capacidade de
fazer da ciência a base para produzir riqueza e bem-estar, valorizando os ensinamentos e a sabedoria dos povos da floresta.
(ABRAMOVAY, Ricardo. Preservar a Amazônia é mais lucrativo que desmatar, diz economista. Folha de S.Paulo. São Paulo. Em: 01/09/2019.)