Questões de Português - Significação Contextual de Palavras e Expressões. Sinônimos e Antônimos. para Concurso

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Q2318357 Português

Sábado, 20 de junho de 1942



1     Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário. É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de hábito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma — poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que está enterrado bem fundo no meu coração. Há um ditado que diz: "O papel é mais paciente que o homem". Lembrei-me dele em um de meus dias de ligeira melancolia, quando estava sentada, com a mão no queixo e tão entediada e cheia de preguiça que não conseguia decidir se saía ou ficava em casa. 


2     Sim, não há dúvida de que o papel é paciente, e como não tenho a menor intenção de mostrar a ninguém este caderno de capa dura que atende pelo pomposo nome de diário — a não ser que encontre um amigo ou amiga verdadeiros —, posso escrever à vontade. Chego agora ao xis da questão, o motivo pelo qual resolvi começar este diário: não possuo nenhum amigo realmente verdadeiro. Vou explicar isso melhor, pois ninguém há de acreditar que uma menina de treze anos se sinta sozinha no mundo. Aliás, nem é esse o caso. 


3     Tenho meus pais, que são uns amores, e uma irmã de dezesseis anos. Conheço mais de trinta pessoas a quem poderia chamar de amigas — e tenho uma porção de pretendentes doidos para me namorar e que, não o podendo fazer, ficam me espiando, na classe, por meio de espelhinhos. Tenho parentes, tios e tias, que também são uns amores, além de um lar agradável. Aparentemente, nada me falta. Mas acontece sempre o mesmo com todos os meus amigos: gracejos, brincadeiras, nada mais. Jamais consigo falar de algo que não seja a rotina de sempre. O problema é que não conseguimos nos aproximar uns dos outros. Talvez me falte autoconfiança; seja como for, o fato é esse, e não consigo mudá-lo. Daí, este diário. A fim de destacar na minha imaginação a figura da amiga por quem esperei tanto tempo, não vou anotar aqui uma série de fatos corriqueiros, como faz a maioria. Quero que este diário seja minha amiga e vou chamar esta amiga de Kitty. Mas se eu começasse a escrever a Kitty, assim sem mais nem menos, ninguém entenderia nada. 


4      Por isso, mesmo contra minha vontade, vou começar fazendo um breve resumo do que foi minha vida até agora. Meu pai tinha trinta e seis anos quando conheceu minha mãe, que na ocasião contava vinte e cinco. Margot, minha irmã, nasceu em 1926, em Frankfurt. Em 12 de junho de 1929, nasci eu, e, como somos judeus, emigramos para a Holanda em 1933, onde meu pai foi designado para o cargo de diretor-gerente da Travies N. V. Esta firma mantém estreitas relações com outra firma, a Kolen & Co., que funciona no mesmo edifício e da qual meu pai é sócio. O resto de nossa família, entretanto, sofreu todo o impacto das leis anti-semitas de Hitler, enchendo nossa vida de angústias. Em 1938, depois dos pogroms, meus dois tios (irmãos de minha mãe) fugiram para os Estados Unidos. Minha avó, já contando setenta e três anos, veio morar conosco. Depois de maio de 1940, os bons tempos se acabaram: primeiro a guerra, depois a capitulação, seguida da chegada dos alemães. Foi então que, realmente, principiaram os sofrimentos dos judeus. Decretos antissemitas surgiam, uns após outros, em rápida sucessão. Os judeus tinham de usar, bem à vista, uma estrela amarela; os judeus tinham de entregar suas bicicletas; os judeus não podiam andar de bonde; os judeus não podiam dirigir automóveis. Só lhes era permitido fazer compras das três às cinco e, mesmo assim, apenas em lojas que tivessem uma placa com os dizeres: loja israelita. Os judeus eram obrigados a se recolher a suas casas às oito da noite, e, depois dessa hora, não podiam sentasse nem mesmo em seus próprios jardins. Os judeus não podiam frequentar teatros, cinemas e outros locais de diversão. Os judeus não podiam praticar esportes publicamente. Piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei e outros locais para a prática de esportes eram-lhes terminantemente proibidos. Os judeus não podiam visitar os cristãos. Só podiam frequentar escolas judias, sofrendo ainda uma série de restrições semelhantes. Assim, não podíamos fazer isto e estávamos proibidos de fazer aquilo. Mas a vida continuava, apesar de tudo Jopie costumava dizer-me: — A gente tem medo de fazer qualquer coisa porque pode estar proibido. — Nossa liberdade era tremendamente limitada, mas ainda assim as coisas eram suportáveis. 


5     Vovó morreu em janeiro de 1942. Ninguém pode imaginar o quanto ela está presente em meus pensamentos e o quanto eu ainda gosto dela. Em 1934 fui para a escola, o Jardim de Infância Montessori, e lá continuei. Ao terminar o 6ºB, tive de despedir-me da sra. K. Foi uma tristeza! Ambas choramos. Em 1941, fui com Margot, minha irmã, para a Escola Secundária Israelita. Ela, para o quarto ano, eu, para o primeiro. Por enquanto, tudo vai bem para nós quatro, e, assim, chego ao dia de hoje.



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Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário”. Qual é a alternativa que é possível substituir o verbo haver pelo verbo fazer sem que haja alteração semântica e ortográfica?
Alternativas
Q2318356 Português

Sábado, 20 de junho de 1942



1     Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário. É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de hábito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma — poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que está enterrado bem fundo no meu coração. Há um ditado que diz: "O papel é mais paciente que o homem". Lembrei-me dele em um de meus dias de ligeira melancolia, quando estava sentada, com a mão no queixo e tão entediada e cheia de preguiça que não conseguia decidir se saía ou ficava em casa. 


2     Sim, não há dúvida de que o papel é paciente, e como não tenho a menor intenção de mostrar a ninguém este caderno de capa dura que atende pelo pomposo nome de diário — a não ser que encontre um amigo ou amiga verdadeiros —, posso escrever à vontade. Chego agora ao xis da questão, o motivo pelo qual resolvi começar este diário: não possuo nenhum amigo realmente verdadeiro. Vou explicar isso melhor, pois ninguém há de acreditar que uma menina de treze anos se sinta sozinha no mundo. Aliás, nem é esse o caso. 


3     Tenho meus pais, que são uns amores, e uma irmã de dezesseis anos. Conheço mais de trinta pessoas a quem poderia chamar de amigas — e tenho uma porção de pretendentes doidos para me namorar e que, não o podendo fazer, ficam me espiando, na classe, por meio de espelhinhos. Tenho parentes, tios e tias, que também são uns amores, além de um lar agradável. Aparentemente, nada me falta. Mas acontece sempre o mesmo com todos os meus amigos: gracejos, brincadeiras, nada mais. Jamais consigo falar de algo que não seja a rotina de sempre. O problema é que não conseguimos nos aproximar uns dos outros. Talvez me falte autoconfiança; seja como for, o fato é esse, e não consigo mudá-lo. Daí, este diário. A fim de destacar na minha imaginação a figura da amiga por quem esperei tanto tempo, não vou anotar aqui uma série de fatos corriqueiros, como faz a maioria. Quero que este diário seja minha amiga e vou chamar esta amiga de Kitty. Mas se eu começasse a escrever a Kitty, assim sem mais nem menos, ninguém entenderia nada. 


4      Por isso, mesmo contra minha vontade, vou começar fazendo um breve resumo do que foi minha vida até agora. Meu pai tinha trinta e seis anos quando conheceu minha mãe, que na ocasião contava vinte e cinco. Margot, minha irmã, nasceu em 1926, em Frankfurt. Em 12 de junho de 1929, nasci eu, e, como somos judeus, emigramos para a Holanda em 1933, onde meu pai foi designado para o cargo de diretor-gerente da Travies N. V. Esta firma mantém estreitas relações com outra firma, a Kolen & Co., que funciona no mesmo edifício e da qual meu pai é sócio. O resto de nossa família, entretanto, sofreu todo o impacto das leis anti-semitas de Hitler, enchendo nossa vida de angústias. Em 1938, depois dos pogroms, meus dois tios (irmãos de minha mãe) fugiram para os Estados Unidos. Minha avó, já contando setenta e três anos, veio morar conosco. Depois de maio de 1940, os bons tempos se acabaram: primeiro a guerra, depois a capitulação, seguida da chegada dos alemães. Foi então que, realmente, principiaram os sofrimentos dos judeus. Decretos antissemitas surgiam, uns após outros, em rápida sucessão. Os judeus tinham de usar, bem à vista, uma estrela amarela; os judeus tinham de entregar suas bicicletas; os judeus não podiam andar de bonde; os judeus não podiam dirigir automóveis. Só lhes era permitido fazer compras das três às cinco e, mesmo assim, apenas em lojas que tivessem uma placa com os dizeres: loja israelita. Os judeus eram obrigados a se recolher a suas casas às oito da noite, e, depois dessa hora, não podiam sentasse nem mesmo em seus próprios jardins. Os judeus não podiam frequentar teatros, cinemas e outros locais de diversão. Os judeus não podiam praticar esportes publicamente. Piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei e outros locais para a prática de esportes eram-lhes terminantemente proibidos. Os judeus não podiam visitar os cristãos. Só podiam frequentar escolas judias, sofrendo ainda uma série de restrições semelhantes. Assim, não podíamos fazer isto e estávamos proibidos de fazer aquilo. Mas a vida continuava, apesar de tudo Jopie costumava dizer-me: — A gente tem medo de fazer qualquer coisa porque pode estar proibido. — Nossa liberdade era tremendamente limitada, mas ainda assim as coisas eram suportáveis. 


5     Vovó morreu em janeiro de 1942. Ninguém pode imaginar o quanto ela está presente em meus pensamentos e o quanto eu ainda gosto dela. Em 1934 fui para a escola, o Jardim de Infância Montessori, e lá continuei. Ao terminar o 6ºB, tive de despedir-me da sra. K. Foi uma tristeza! Ambas choramos. Em 1941, fui com Margot, minha irmã, para a Escola Secundária Israelita. Ela, para o quarto ano, eu, para o primeiro. Por enquanto, tudo vai bem para nós quatro, e, assim, chego ao dia de hoje.



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“É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de hábito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma — poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos”. O termo em destaque está também utilizado de maneira correta na alternativa:
Alternativas
Q2318353 Português

Sábado, 20 de junho de 1942



1     Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário. É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de hábito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma — poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que está enterrado bem fundo no meu coração. Há um ditado que diz: "O papel é mais paciente que o homem". Lembrei-me dele em um de meus dias de ligeira melancolia, quando estava sentada, com a mão no queixo e tão entediada e cheia de preguiça que não conseguia decidir se saía ou ficava em casa. 


2     Sim, não há dúvida de que o papel é paciente, e como não tenho a menor intenção de mostrar a ninguém este caderno de capa dura que atende pelo pomposo nome de diário — a não ser que encontre um amigo ou amiga verdadeiros —, posso escrever à vontade. Chego agora ao xis da questão, o motivo pelo qual resolvi começar este diário: não possuo nenhum amigo realmente verdadeiro. Vou explicar isso melhor, pois ninguém há de acreditar que uma menina de treze anos se sinta sozinha no mundo. Aliás, nem é esse o caso. 


3     Tenho meus pais, que são uns amores, e uma irmã de dezesseis anos. Conheço mais de trinta pessoas a quem poderia chamar de amigas — e tenho uma porção de pretendentes doidos para me namorar e que, não o podendo fazer, ficam me espiando, na classe, por meio de espelhinhos. Tenho parentes, tios e tias, que também são uns amores, além de um lar agradável. Aparentemente, nada me falta. Mas acontece sempre o mesmo com todos os meus amigos: gracejos, brincadeiras, nada mais. Jamais consigo falar de algo que não seja a rotina de sempre. O problema é que não conseguimos nos aproximar uns dos outros. Talvez me falte autoconfiança; seja como for, o fato é esse, e não consigo mudá-lo. Daí, este diário. A fim de destacar na minha imaginação a figura da amiga por quem esperei tanto tempo, não vou anotar aqui uma série de fatos corriqueiros, como faz a maioria. Quero que este diário seja minha amiga e vou chamar esta amiga de Kitty. Mas se eu começasse a escrever a Kitty, assim sem mais nem menos, ninguém entenderia nada. 


4      Por isso, mesmo contra minha vontade, vou começar fazendo um breve resumo do que foi minha vida até agora. Meu pai tinha trinta e seis anos quando conheceu minha mãe, que na ocasião contava vinte e cinco. Margot, minha irmã, nasceu em 1926, em Frankfurt. Em 12 de junho de 1929, nasci eu, e, como somos judeus, emigramos para a Holanda em 1933, onde meu pai foi designado para o cargo de diretor-gerente da Travies N. V. Esta firma mantém estreitas relações com outra firma, a Kolen & Co., que funciona no mesmo edifício e da qual meu pai é sócio. O resto de nossa família, entretanto, sofreu todo o impacto das leis anti-semitas de Hitler, enchendo nossa vida de angústias. Em 1938, depois dos pogroms, meus dois tios (irmãos de minha mãe) fugiram para os Estados Unidos. Minha avó, já contando setenta e três anos, veio morar conosco. Depois de maio de 1940, os bons tempos se acabaram: primeiro a guerra, depois a capitulação, seguida da chegada dos alemães. Foi então que, realmente, principiaram os sofrimentos dos judeus. Decretos antissemitas surgiam, uns após outros, em rápida sucessão. Os judeus tinham de usar, bem à vista, uma estrela amarela; os judeus tinham de entregar suas bicicletas; os judeus não podiam andar de bonde; os judeus não podiam dirigir automóveis. Só lhes era permitido fazer compras das três às cinco e, mesmo assim, apenas em lojas que tivessem uma placa com os dizeres: loja israelita. Os judeus eram obrigados a se recolher a suas casas às oito da noite, e, depois dessa hora, não podiam sentasse nem mesmo em seus próprios jardins. Os judeus não podiam frequentar teatros, cinemas e outros locais de diversão. Os judeus não podiam praticar esportes publicamente. Piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei e outros locais para a prática de esportes eram-lhes terminantemente proibidos. Os judeus não podiam visitar os cristãos. Só podiam frequentar escolas judias, sofrendo ainda uma série de restrições semelhantes. Assim, não podíamos fazer isto e estávamos proibidos de fazer aquilo. Mas a vida continuava, apesar de tudo Jopie costumava dizer-me: — A gente tem medo de fazer qualquer coisa porque pode estar proibido. — Nossa liberdade era tremendamente limitada, mas ainda assim as coisas eram suportáveis. 


5     Vovó morreu em janeiro de 1942. Ninguém pode imaginar o quanto ela está presente em meus pensamentos e o quanto eu ainda gosto dela. Em 1934 fui para a escola, o Jardim de Infância Montessori, e lá continuei. Ao terminar o 6ºB, tive de despedir-me da sra. K. Foi uma tristeza! Ambas choramos. Em 1941, fui com Margot, minha irmã, para a Escola Secundária Israelita. Ela, para o quarto ano, eu, para o primeiro. Por enquanto, tudo vai bem para nós quatro, e, assim, chego ao dia de hoje.



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“A gente tem medo de fazer qualquer coisa porque pode estar proibido. — Nossa liberdade era tremendamente limitada, mas ainda assim as coisas eram suportáveis” (4º parágrafo). Analisando o trecho supracitado e o termo em destaque, é possível afirmar que Anne Frank relacionava “as coisas”:
Alternativas
Q2317709 Português
O casamento e a cegonha


       Os pais da noiva tinham resolvido que o casamento da filha se faria ali mesmo, na chácara, à boa moda antiga, com mesada de doces, churrasco, muita empada, leitoa, frango assado, boas comidas e abundantes bebidas.
        Armou-se o altar na sala da frente. Cobriu-se a mesa do civil com um lindo atoalhado de plástico. Vieram os convidados. Veio o vigário, veio o juiz e veio o escrivão. Testemunhas e a roda dos parentes. Fizeram o casamento. A moça sempre fora alta, grandalhona, fornida de carnes e de bons quartos. Naquele vestido branco, rodado, de babados subindo e descendo, de véu e grinalda, inda mais reforçada parecia.
     Como a festança era mesmo de arromba, fogos pipocando, música chegando e muita gente entrando e saindo, ninguém mais reparou nos noivos que depois de posarem para o retrato de praxe, na cabeceira da mesa e de cortarem juntos o bolo artístico, se misturaram com os convidados e cada qual se achou à vontade e sem constrangimento.
        O juiz e o vigário deixaram-se ficar numa roda de amigos, conversando com advogados, escrivães, gente do foro.
       O baile tinha começado. A moçada saracoteava alegre. Os que não eram de dança, rodeavam a mesa posta, com pratos, copos e garrafas. Espetos de churrasco e bandas de leitão se cruzavam por todos os lados.
       Boas comidas, muita bebida e os donos da casa pondo o pessoal à vontade, incansáveis, não cabendo em si de contentes com o casamento daquela primeira filha. Nada alegra tanto o coração da criatura como mesa posta, carne assada, bebidas de graça e falta de cerimônia. Quem contestar esta verdade simples, não merece dois vinténs de crédito.
         Bem por isso mesmo diz o caboclo: a alegria vem das tripas – barriga cheia, coração alegre. O que é pura verdade.
           A orquestra assoprava valsas e boleros com furor. Os pares girando. Os namorados namorando. Os que não dançavam se encostavam pelas mesas e, quem já estava farto, fazia roda, bebia café, fumava cigarro e contava piadas.
         Quando a festança ia mais animada, lá pelas tantas, ouviu-se um corre-corre pelos quartos e corredores.
           Logo mais aparecia na sala o dono da casa, ansioso e afobado, se desculpando e pedindo ao juiz e ao vigário fazerem o favor de acabar com a festa porque a noiva estava com dor de parto e a assistente já tinha chegado…
             “Isto é que se chama aproveitar o tempo”, comentou um convidado, “numa só festa, casa a filha e chega a cegonha…”


(CORALINA, Cora. Estória da Casa Velha da Ponte. Global Editora. São Paulo, 2001. Projeto Releituras.)
A moçada saracoteava alegre.” (5º§) A palavra que possui o sentido oposto de “saracoteava” é: 
Alternativas
Q2316441 Português
Os vira-latas de Tiradentes



1 Anos atrás não havia problema em não curtir cachorro. Era como não comer jiló ou não jogar gamão. Gosto pessoal. Hoje, sou visto quase como um pária por não achar graça em interagir com quadrúpedes, em ter as costas das mãos babadas ou a blusa tatuada por patas de cães desconhecidos. Creem que seja falta de empatia — e provavelmente acham que, na etimologia de "empatia", esteja a palavra "pata".


2 Numa das últimas eleições havia um candidato a deputado que propunha destinar verbas do SUS para cachorros. Todos sabemos que as verbas públicas são finitas. Falta dinheiro pra tudo, inclusive pra saúde. Dar dinheiro do SUS pra tratar sarna de um basset significa, portanto, tirar dinheiro de gente. O que estava por trás da proposta — nem tão por trás, na verdade — era que entre uma pessoa e um cachorro, devemos optar pelo cachorro.


3 Ainda não li nenhuma obra de sociologia que explique o fenômeno, mas acredito que haja uma ligação direta entre o esgarçamento dos laços sociais e a ascensão dos lulus-da-pomerânia. Culpamos Zuckerberg por tudo, mas há de se considerar que parte da responsabilidade pelo murundu contemporâneo seja da Cobasi.


4 No meu bairro, onde 20 anos atrás havia duas videolocadoras excelentes, agora há dois pet shops — e ninguém vai me convencer de que trocar Fellini por Royal Canin faz da Terra um lugar melhor. São quase antípodas, o cinema e o totó. O primeiro nos faz refletir sobre o mundo, problematiza a realidade, traz uma questão para o nosso sábado à noite. O segundo é um red-bull do narcisismo, um viés de confirmação para nossa estropiada autoestima.


5 Vira-latas, porém, são outra história. Estou há dois dias em Tiradentes para participar da FLITI, uma feira literária. De longe admiro, trupicando pelo calçamento de pedras, entre os sobrados centenários, velhos ídolos da pena. Nestas últimas 48 horas, porém, tenho idolatrado mesmo é a turma dos cachorros.


6 Um bando de vira-latas está para os bichos de estimação como o bando de Lampião está para uma reunião de condomínio. Tô nem aí pra bicho de estimação. Sou fã dos cachorros de Tiradentes. Ontem à tarde estavam Reinaldo Moraes e Bob Wolfenson no meio da maior discussão sobre o erotismo na fotografia e na literatura, um vira-latas caramelo adentrou o palco na maior malemolência, parou na frente dos dois e passou a lamber suas partes íntimas.


7 Ninguém se incomoda com eles — e por que deveríamos? Sabemos — e eles, mais ainda— que são os donos da cidade. Aquele filho de pastor com fox paulistinha é um barão, você pensa. O salsicha com boxer é visconde. O supracitado caramelo, de raça indefinida, manco, certamente é um conde — se fosse ser humano, usaria uma bengala de ouro e marfim.


8 Ainda não li nenhuma obra de sociologia que trate do assunto, mas acredito que haja uma ligação direta e inversa entre as redes sociais e os vira-latas. Eles são uma espécie de anti-Instagram. A expressão física do #nofilter. Um aprazível #TBT todos os dias da semana.


9 Ontem de madrugada, chegando de uma festa — sob o mesmo teto em que, há uns 150 anos, provavelmente, Joaquim José da Silva Xavier trocou suas inconfidências — avistei o vira-latas caramelo. A rua estava vazia. Só uma cigarra, distante, quebrava o silêncio. Ao nos cruzarmos eu disse "boa-noite". Ele, sem nem me olhar, abanou o rabo. Dormi o sono dos justos, recém-intitulado grão-duque de São José do Rio das Mortes, capitania de Minas Gerais, reino de Portugal. 


Extraído de: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2023/10/os-vira-latas-de-tiradentes.shtml
Em “Hoje, sou visto quase como um pária.” (1º parágrafo), o vocábulo destacado foi acentuado pela razão que:
Alternativas
Respostas
1441: C
1442: B
1443: B
1444: D
1445: C