Questões de Concurso
Sobre significação contextual de palavras e expressões. sinônimos e antônimos. em português
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São os meios de comunicação, em especial a
televisão, que divulgam, em escala mundial,
informações (fragmentadas) hoje tomadas como
conhecimento, construindo, desse modo, o mundo
que conhecemos. Trata-se, na verdade, de processo
metonímico – a parte escolhida para ser divulgada,
para ser conhecida, vale pelo todo. É como se “o
mundo todo” fosse constituído apenas por aqueles
fatos/notícias que chegam até nós.
Informação, porém, não é conhecimento, podendo até ser um passo importante. O conhecimento implica crítica. Ele se baseia na inter-relação e não na fragmentação. Todos temos observado que essa troca do conhecimento pela informação tem resultado na diminuição da criticidade.
O conhecimento é um processo que prevê a condição de reelaborar o que vem como um “dado”, possibilitando que não sejamos meros reprodutores; inclui a capacidade de elaborações novas, permitindo reconhecer, trazer à superfície o que ainda é virtual, o que, na sociedade, está ainda mal desenhado, com contornos borrados. Para tanto, o conhecimento prevê a construção de uma visão que totalize os fatos, inter-relacionando todas as esferas da sociedade, percebendo que o que está acontecendo em cada uma delas é resultado da dinâmica que faz com que todas interajam, de acordo com as possibilidades daquela formação social, naquele momento histórico; permite perceber, enfim, que os diversos fenômenos da vida social estabelecem suas relações tendo como referência a sociedade como um todo. Para tanto, podemos perceber, as informações – fragmentadas – não são suficientes.
Os meios de comunicação, sobretudo a televisão, ao produzirem essas informações, transformam em verdadeiros espetáculos os acontecimentos selecionados para se tornar notícias. Já na década de 1960, Guy Debord percebia “na vida contemporânea uma ‘sociedade de espetáculo’, em que a forma mais desenvolvida de mercadoria era antes a imagem que o produto material concreto”, e que “na segunda metade do século XX, a imagem substituiria a estrada de ferro e o automóvel como força motriz da economia”.
Por sua condição de “espetáculo”, parece que o mais importante na informação passa a ser aquilo que ela tem de atração, de entretenimento. Não podemos nos esquecer, porém, de que as coisas se passam desse modo exatamente para que o conhecimento – e, portanto, a crítica – da realidade fique bastante embaçada ou simplesmente não se dê.
O conhecimento continua a ser condição indispensável para a crítica. A informação, que parece ocupar o lugar desse conhecimento, tornou-se, ela própria, a base para a reprodução do sistema, uma mercadoria a mais em circulação nessa totalidade.
A confusão entre conhecimento e informação, entre totalidade e fragmentação, leva à concepção de que a informação veiculada pelos meios é suficiente para a formação do cidadão, de que há um pressuposto de interação entre os meios e os cidadãos e de que todas as vozes circulam igualmente na sociedade.
É a chamada posição liberal, a qual parece esquecer-se de que ideias, para circular, precisam de instrumentos, de suportes – rádio, televisão, jornal etc. – que custam caro e que, por isso, estão nas mãos daqueles que detêm o capital. [...]
BACCEGA. Maria Aparecida. In: A TV aos 50 – Criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário. São Paulo: PerseuAbramo, 2000, p. 106-7.
São os meios de comunicação, em especial a
televisão, que divulgam, em escala mundial,
informações (fragmentadas) hoje tomadas como
conhecimento, construindo, desse modo, o mundo
que conhecemos. Trata-se, na verdade, de processo
metonímico – a parte escolhida para ser divulgada,
para ser conhecida, vale pelo todo. É como se “o
mundo todo” fosse constituído apenas por aqueles
fatos/notícias que chegam até nós.
Informação, porém, não é conhecimento, podendo até ser um passo importante. O conhecimento implica crítica. Ele se baseia na inter-relação e não na fragmentação. Todos temos observado que essa troca do conhecimento pela informação tem resultado na diminuição da criticidade.
O conhecimento é um processo que prevê a condição de reelaborar o que vem como um “dado”, possibilitando que não sejamos meros reprodutores; inclui a capacidade de elaborações novas, permitindo reconhecer, trazer à superfície o que ainda é virtual, o que, na sociedade, está ainda mal desenhado, com contornos borrados. Para tanto, o conhecimento prevê a construção de uma visão que totalize os fatos, inter-relacionando todas as esferas da sociedade, percebendo que o que está acontecendo em cada uma delas é resultado da dinâmica que faz com que todas interajam, de acordo com as possibilidades daquela formação social, naquele momento histórico; permite perceber, enfim, que os diversos fenômenos da vida social estabelecem suas relações tendo como referência a sociedade como um todo. Para tanto, podemos perceber, as informações – fragmentadas – não são suficientes.
Os meios de comunicação, sobretudo a televisão, ao produzirem essas informações, transformam em verdadeiros espetáculos os acontecimentos selecionados para se tornar notícias. Já na década de 1960, Guy Debord percebia “na vida contemporânea uma ‘sociedade de espetáculo’, em que a forma mais desenvolvida de mercadoria era antes a imagem que o produto material concreto”, e que “na segunda metade do século XX, a imagem substituiria a estrada de ferro e o automóvel como força motriz da economia”.
Por sua condição de “espetáculo”, parece que o mais importante na informação passa a ser aquilo que ela tem de atração, de entretenimento. Não podemos nos esquecer, porém, de que as coisas se passam desse modo exatamente para que o conhecimento – e, portanto, a crítica – da realidade fique bastante embaçada ou simplesmente não se dê.
O conhecimento continua a ser condição indispensável para a crítica. A informação, que parece ocupar o lugar desse conhecimento, tornou-se, ela própria, a base para a reprodução do sistema, uma mercadoria a mais em circulação nessa totalidade.
A confusão entre conhecimento e informação, entre totalidade e fragmentação, leva à concepção de que a informação veiculada pelos meios é suficiente para a formação do cidadão, de que há um pressuposto de interação entre os meios e os cidadãos e de que todas as vozes circulam igualmente na sociedade.
É a chamada posição liberal, a qual parece esquecer-se de que ideias, para circular, precisam de instrumentos, de suportes – rádio, televisão, jornal etc. – que custam caro e que, por isso, estão nas mãos daqueles que detêm o capital. [...]
BACCEGA. Maria Aparecida. In: A TV aos 50 – Criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário. São Paulo: PerseuAbramo, 2000, p. 106-7.
Passeata marca o dia mundial de conscientização
da violência contra a pessoa idosa.
Os termos “na maioria das vezes” (. 7-8) e “isto é” (
. 13) equivalem-se semanticamente e antecedem
uma retificação.
Os termos “como símbolo a ser transmitido” (. 3) e “como forma de registro apropriado” (
. 4) ampliam
o sentido de “palavra escrita” (
. 3) e de “livro” (
. 3), respectivamente.
INSTRUÇÃO: A questão deve ser respondida com base no texto 1. Leia-o atentamente, antes de responder a questão.
Texto 1
A sociedade das aparências
Antropóloga analisa modelo do sistema capitalista na raiz do consumo. A responsabilidade leva em conta impactos de compra, uso, descarte e origem de produtos ou serviços.
por Lilian Monteiro
Para a antropóloga Andréa Zhouri, é preciso mudar o modo de vida de acumulação.
[1º§] O consumo responsável é decisão individual, particular e solitária, em função do compromisso de cada um com o desenvolvimento socioambiental. É de quem tem ou adquire a consciência de que ações positivas minimizam as negativas. Comportamento e atitude que estão ligados à questão do “não-desperdício, do desprendimento e da posse de objetos por status. Visão ainda pequena na nossa sociedade, mas que tende a aumentar nas camadas mais jovens, preocupadas com a preservação dos recursos naturais renováveis. Em outros países, as práticas são mais arraigadas. No Brasil, não. Acumulamos muito lixo pelo consumo que tem a ver com o descarte, a sobra, o desperdício, o refugo, que causam sérios problemas. É a garrafa PET, a sacola plástica, as sucatas de equipamentos eletrônicos, o celular, o computador...”, explica Andréa Zhouri, antropóloga e coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
[2º§] Andréa Zhouri alerta que a solução está na mudança do “pensar do berço ao túmulo. É prática de preocupação política no sentido mais amplo. É concepção de consciência política. O modo de vida de acumulação, de posse de coisas, de acumular e desperdiçar. É preciso mudar. Surgem, na sociedade brasileira, atitudes, tentativas ainda incipientes, marginais e pontuais, mas em determinados grupos. No entanto, a grande tendência é ter!”.
[3º§] O caminho é longo e é preciso persistência. “A transição do ter para o ser implica processo. E tem a ver com a elaboração do sujeito, da sua reflexão sobre a existência no mundo, porque a sociedade capitalista é uma sociedade de produção de mercadorias e de bens não só materiais, mas de bens significativos. Ou seja, ao mesmo tempo em que tem valor de uso, prático, de troca e comercial, também tem valor de bem distintivo, de status, simbólico. Ambos estão interligados. O exemplo mais claro é o automóvel. Não se compra só o veículo de transporte para levar alguém de um lugar A para o B. Não é 'um' automóvel, mas 'o' automóvel, o modelo, o tipo e a marca que vão atribuir ao consumidor um lugar na sociedade, que é cumulativa de bens e emite mensagens”, analisa a antropóloga.
[4º§] Andréa Zhouri enfatiza que as pessoas compram a mensagem e não o objeto. “E aí vamos entrar em outra área, que é a luta pelo poder. Ao transmitir o que se tem, a pessoa emite uma mensagem. Por isso é muito difícil o consumo consciente, responsável, porque a questão não está no nível do cognitivo. O desafio não é a informação, porque o consumo mexe com o lado efetivamente significativo da existência. A necessidade de se distinguir, ser diferente e projetar determinada imagem.”
[5º§] A antropóloga alerta que “a sociedade vende a ilusão de que você, consumindo, vai conseguir a distinção que a sociedade moderna valoriza. A pessoa vai comprar a ideia de que é especial. Assim, é difícil o consumo responsável na contramão de um mundo da propaganda e do marketing”.
[6º§] E, como Andréa Zhouri já declarou diante de outra situação (no caso, a catástrofe da Samarco, que também envolve consumo), “precisamos repensar o que é de fato o bem-viver, a riqueza e uma boa economia. Há alternativas que exigem participação política de todos, ainda que a sociedade civil cobre, esteja engajada, em determinadas situações, ela não encontra ouvidos do outro lado, do lado da governança”.
Fonte: Jornal Estado de Minas, 24/01/2016, disponível em: http://impresso.em.com.br/
app/noticia/toda-semana/bem-viver/2016/01/24/interna_bemviver,171062/a-sociedadedas-aparencias.shtml,
acesso em 28/01/2016. Texto adaptado.
INSTRUÇÃO: A questão deve ser respondida com base no texto 1. Leia-o atentamente, antes de responder a questão.
Texto 1
A sociedade das aparências
Antropóloga analisa modelo do sistema capitalista na raiz do consumo. A responsabilidade leva em conta impactos de compra, uso, descarte e origem de produtos ou serviços.
por Lilian Monteiro
Para a antropóloga Andréa Zhouri, é preciso mudar o modo de vida de acumulação.
[1º§] O consumo responsável é decisão individual, particular e solitária, em função do compromisso de cada um com o desenvolvimento socioambiental. É de quem tem ou adquire a consciência de que ações positivas minimizam as negativas. Comportamento e atitude que estão ligados à questão do “não-desperdício, do desprendimento e da posse de objetos por status. Visão ainda pequena na nossa sociedade, mas que tende a aumentar nas camadas mais jovens, preocupadas com a preservação dos recursos naturais renováveis. Em outros países, as práticas são mais arraigadas. No Brasil, não. Acumulamos muito lixo pelo consumo que tem a ver com o descarte, a sobra, o desperdício, o refugo, que causam sérios problemas. É a garrafa PET, a sacola plástica, as sucatas de equipamentos eletrônicos, o celular, o computador...”, explica Andréa Zhouri, antropóloga e coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
[2º§] Andréa Zhouri alerta que a solução está na mudança do “pensar do berço ao túmulo. É prática de preocupação política no sentido mais amplo. É concepção de consciência política. O modo de vida de acumulação, de posse de coisas, de acumular e desperdiçar. É preciso mudar. Surgem, na sociedade brasileira, atitudes, tentativas ainda incipientes, marginais e pontuais, mas em determinados grupos. No entanto, a grande tendência é ter!”.
[3º§] O caminho é longo e é preciso persistência. “A transição do ter para o ser implica processo. E tem a ver com a elaboração do sujeito, da sua reflexão sobre a existência no mundo, porque a sociedade capitalista é uma sociedade de produção de mercadorias e de bens não só materiais, mas de bens significativos. Ou seja, ao mesmo tempo em que tem valor de uso, prático, de troca e comercial, também tem valor de bem distintivo, de status, simbólico. Ambos estão interligados. O exemplo mais claro é o automóvel. Não se compra só o veículo de transporte para levar alguém de um lugar A para o B. Não é 'um' automóvel, mas 'o' automóvel, o modelo, o tipo e a marca que vão atribuir ao consumidor um lugar na sociedade, que é cumulativa de bens e emite mensagens”, analisa a antropóloga.
[4º§] Andréa Zhouri enfatiza que as pessoas compram a mensagem e não o objeto. “E aí vamos entrar em outra área, que é a luta pelo poder. Ao transmitir o que se tem, a pessoa emite uma mensagem. Por isso é muito difícil o consumo consciente, responsável, porque a questão não está no nível do cognitivo. O desafio não é a informação, porque o consumo mexe com o lado efetivamente significativo da existência. A necessidade de se distinguir, ser diferente e projetar determinada imagem.”
[5º§] A antropóloga alerta que “a sociedade vende a ilusão de que você, consumindo, vai conseguir a distinção que a sociedade moderna valoriza. A pessoa vai comprar a ideia de que é especial. Assim, é difícil o consumo responsável na contramão de um mundo da propaganda e do marketing”.
[6º§] E, como Andréa Zhouri já declarou diante de outra situação (no caso, a catástrofe da Samarco, que também envolve consumo), “precisamos repensar o que é de fato o bem-viver, a riqueza e uma boa economia. Há alternativas que exigem participação política de todos, ainda que a sociedade civil cobre, esteja engajada, em determinadas situações, ela não encontra ouvidos do outro lado, do lado da governança”.
Fonte: Jornal Estado de Minas, 24/01/2016, disponível em: http://impresso.em.com.br/
app/noticia/toda-semana/bem-viver/2016/01/24/interna_bemviver,171062/a-sociedadedas-aparencias.shtml,
acesso em 28/01/2016. Texto adaptado.
TEXTO 5
A arte de ser feliz
Cecília Meireles
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
http://pensador.uol.com.br/cecilia_meireles_poemas/
Atenção: Para responder à questão, considere o texto abaixo.
Nostalgias perigosas
Numa recente e polêmica crônica de jornal, o escritor Contardo Calligaris manifestou preocupação com estes dois traços perigosos de nostalgia que, segundo ele, costumam caracterizar a velhice:
“1) Uma avareza mesquinha (e generalizada – não só financeira), que consiste em tentar preservar e conservar qualquer coisa, como metáfora da preservação (impossível) da nossa vida que se vai;
2) Uma idealização fantasiosa de passados que nunca existiram. Os idosos parecem sempre evocar o "tempo feliz" de sua infância, quando os pais eram severos e por isso educavam bem, quando dava para brincar na rua e a escola pública era muito boa.”
E completou sua crônica acusando o fato de que os idosos costumam se apoiar em lembranças inventadas, em algo que efetivamente não conheceram, mas que gostariam de ter vivido. Resta saber se a imaginação do vivido, para esses velhos, não é em si mesma uma sensação real e necessária, no final da vida.
(Adamastor Linhares, inédito)
Atenção: Para responder à questão, considere o texto abaixo.
Nostalgias perigosas
Numa recente e polêmica crônica de jornal, o escritor Contardo Calligaris manifestou preocupação com estes dois traços perigosos de nostalgia que, segundo ele, costumam caracterizar a velhice:
“1) Uma avareza mesquinha (e generalizada – não só financeira), que consiste em tentar preservar e conservar qualquer coisa, como metáfora da preservação (impossível) da nossa vida que se vai;
2) Uma idealização fantasiosa de passados que nunca existiram. Os idosos parecem sempre evocar o "tempo feliz" de sua infância, quando os pais eram severos e por isso educavam bem, quando dava para brincar na rua e a escola pública era muito boa.”
E completou sua crônica acusando o fato de que os idosos costumam se apoiar em lembranças inventadas, em algo que efetivamente não conheceram, mas que gostariam de ter vivido. Resta saber se a imaginação do vivido, para esses velhos, não é em si mesma uma sensação real e necessária, no final da vida.
(Adamastor Linhares, inédito)
Atenção: Para responder à questão, considere o texto abaixo.
Anedotas
Um dos mistérios da vida é: de onde vêm as anedotas? O enigma da criação da anedota se compara ao enigma da criação da matéria. Em todas as teorias conhecidas sobre a evolução do universo sempre se chega a um ponto em que a única explicação possível é a da geração espontânea. Do nada surge alguma coisa. As anedotas também nasceriam assim, já prontas, aparentemente autogeradas. Você não conhece ninguém que tenha inventado uma anedota. Os que contam uma anedota sempre a ouviram de outro, que ouviu de outro, que não se lembra de quem ouviu. Se anedota fosse crime, sua repressão seria dificílima.
Os humoristas profissionais não fazem anedotas. Inventam piadas, frases, cenas, histórias, mas as anedotas que correm o país não são deles. São de autores desconhecidos mas nem por isso menos competentes. Uma anedota geralmente tem o rigor formal de um teorema. Exposição, desenvolvimento, desenlace. Grande parte do sucesso de uma anedota depende do estilo de quem conta. A anedota é uma continuação da tradição homérica, de narrativa oral, que transmitia histórias antes do livro. Anedota impressa deixa de ser anedota. Existem contadores eméritos. E casos pungentes de grandes contadores que, com o tempo, vão perdendo a habilidade, até chegarem ao supremo vexame de, um dia, esquecerem o fim da anedota.
Dizem que, eventualmente, um computador bem programado poderá escrever teses e romances. Mas duvido que algum computador, algum dia, possa fazer uma anedota.
(VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 107-108)
“Nisto erramos: em ver a morte à nossa frente, como um acontecimento futuro, enquanto grande parte dela já ficou para trás.
Cada hora do nosso passado pertence à morte.” (Sêneca)
Atenção: Para responder à questão, considere o texto abaixo.
Há um comentário frequentemente encontrado nos meios de comunicação ou mesmo em conversas cotidianas: “O carnaval de hoje não é mais o mesmo. Transformou-se em um grande empreendimento turístico. Perdeu a autenticidade.” Em seu sentido amplo, esse comentário aplica-se a diversas modalidades de cultura popular: não só às festas, mas também ao artesanato, à música, à dança, à culinária. Pode ser expresso na forma de um lamento e de um incontido sentimento de nostalgia.
Em outras palavras, circula de modo amplo e difuso em nosso cotidiano uma perspectiva sobre as culturas populares na qual estas são apresentadas sob o signo da perda. Supõe-se que elas conheceram em sua longa história um momento no qual teriam florescido na sua forma mais autêntica e próxima às expectativas daqueles que as produzem. Mas desde então, como consequência das transformações históricas e em especial da chamada modernização, essas formas socioculturais teriam cada vez mais perdido seus atributos definidores.
Essa narrativa é seguramente poderosa e tem notável capacidade de convencimento. No entanto, um fantasma ronda os estudos sobre as culturas populares. Elas não desapareceram; continuam a existir e se reproduzir: festas regionais, como o bumba meu boi; as festas do Divino Espírito Santo; as festas de Reis; as inúmeras modalidades de música popular ou folclórica produzidas em diversas regiões do Brasil. Os exemplos podem se estender facilmente. O que importa assinalar, no entanto, é que essas formas de cultura popular continuam a ser produzidas no tempo presente e de modo criativo; e não parecem indicar, ao contrário do que se afirma obsessivamente, que estejam em processo de desaparecimento.
O problema evidentemente não está na cultura popular, mas nas perspectivas que postulam sua existência arcaica e seu inevitável desaparecimento. Trata-se de um fantasma produzido pelos que se recusam a reconhecer que elas expressam visões de mundo diferentes.
Muitas vezes, essas formas socioculturais estão associadas à oposição entre um mundo rural estável e harmônico e um mundo urbano industrializado e “inautêntico”. Contudo, pesquisas de antropologia social ou cultural já demonstraram que as culturas populares, estejam elas situadas no mundo rural ou nas grandes cidades, desempenham funções sociais e simbólicas fundamentais para sua persistência e reprodução. Desse modo, festas, artesanatos, lendas, formas musicais, dança, culinária articulam simbolicamente concepções coletivas de sociedade.
As culturas populares não se constituem em agregados de traços culturais passíveis de serem inventariados. Elas consistem efetivamente em sistemas de práticas sociais. Os comentários usuais sobre uma suposta perda de autenticidade das culturas populares na atualidade esquecem que elas não são o espelho de nossas categorias e classificações; o que elas oferecem de mais interessante não é nem o testemunho de um passado remoto, nem a catástrofe de seu desaparecimento, mas invenções alternativas e atuais dos modos de estar no mundo.
(Adaptado de: GONÇALVES, José Reginaldo Santos. “Culturas populares: patrimônio e autenticidade”. In: Agenda brasileira: temas de uma
sociedade em mudança. BOTELHO, André e SHWARCZ, Lilia Moritz (org.) São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 136-139)