Questões de Português - Uso do ponto e vírgula para Concurso
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Para Sócrates, o importante era ter em mente que todos os seus conceitos de vida podem estar errados. Por isso, precisam ser examinados até que provem ter lógica. Mesmo que isso traga impopularidade. Até porque ninguém consegue ser popular e agradar a todos.
Sobre o uso da pontuação, afirma-se corretamente:
Instrução: A questão refere-se ao texto abaixo.
(Disponível em https://www.contioutra.com/a-dor-de-se-sentir-invisivel/ – Texto adaptado especialmente
para esta prova.)
I. Colocar uma vírgula no lugar do primeiro travessão e suprimir o segundo. II. Inserir ponto e vírgula no lugar do primeiro travessão e eliminar o segundo. III. Substituir os travessões por parênteses.
Quais asseguram uma escrita apurada e sem distorções?
TEXTO I
Do bom uso do relativismo
Hoje, pela multimídia, imagens e gentes do mundo inteiro nos entram pelos telhados, portas e janelas e convivem conosco. É o efeito das redes globalizadas de comunicação. A primeira reação é de perplexidade que pode provocar duas atitudes: ou de interesse para melhor conhecer, que implica abertura e diálogo, ou de distanciamento, que pressupõe fechar o espírito e excluir. De todas as formas, surge uma percepção incontornável: nosso modo de ser não é o único. Há gente que, sem deixar de ser gente, é diferente.
Quer dizer, nosso modo de ser, de habitar o mundo, de pensar, de valorar e de comer não é absoluto. Há mil
outras formas diferentes de sermos humanos, desde a forma dos esquimós siberianos, passando pelos yanomamis
do Brasil, até chegarmos aos sofisticados moradores de Alphavilles, onde se resguardam as elites opulentas e
amedrontadas. O mesmo vale para as diferenças de cultura, de língua, de religião, de ética e de lazer.
Deste fato surge, de imediato, o relativismo em dois sentidos: primeiro, importa relativizar todos os modos de
ser; nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar os demais; impõe-se também a atitude de respeito e de acolhida da
diferença porque, pelo simples fato de estar-aí, goza de direito de existir e de coexistir; segundo, o relativo quer
expressar o fato de que todos estão de alguma forma relacionados. Eles não podem ser pensados
independentemente uns dos outros, porque todos são portadores da mesma humanidade.
Devemos alargar a compreensão do humano para além de nossa concretização. Somos uma geossociedade
una, múltipla e diferente.
Todas estas manifestações humanas são portadoras de valor e de verdade. Mas são um valor e uma verdade
relativos, vale dizer, relacionados uns aos outros, autoimplicados, sendo que nenhum deles, tomado em si, é absoluto.
Então não há verdade absoluta? Vale o everything goes de alguns pós-modernos? Quer dizer, o “vale tudo”?
Não é o vale tudo. Tudo vale na medida em que mantém relação com os outros, respeitando-os em sua diferença.
Cada um é portador de verdade mas ninguém pode ter o monopólio dela. Todos, de alguma forma, participam da
verdade. Mas podem crescer para uma verdade mais plena, na medida em que mais e mais se abrem uns aos outros.
Bem em dizia o poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A tua,
guarde-a”. Se a buscarmos juntos, no diálogo e na cordialidade, então mais e mais desaparece a minha verdade para
dar lugar à Verdade comungada por todos.
A ilusão do Ocidente é de imaginar que a única janela que dá acesso à verdade, à religião verdadeira, à
autêntica cultura e ao saber crítico é o seu modo de ver e de viver. As demais janelas apenas mostram paisagens
distorcidas. Ele se condena a um fundamentalismo visceral que o fez, outrora, organizar massacres ao impor a sua
religião e, hoje, guerras para forçar a democracia no Iraque e no Afeganistão.
Devemos fazer o bom uso do relativismo, inspirados na culinária. Há uma só culinária, a que prepara os
alimentos humanos. Mas ela se concretiza em muitas formas, as várias cozinhas: a mineira, a nordestina, a japonesa,
a chinesa, a mexicana e outras. Ninguém pode dizer que só uma é a verdadeira e gostosa e as outras não. Todas são
gostosas do seu jeito e todas mostram a extraordinária versatilidade da arte culinária. Por que com a verdade deveria
ser diferente?
LEONARDO BOFF - http://alainet.org
Vocabulário:
Alphavilles: condomínios de luxo
everything goes: literalmente, “todas as coisas vão”; equivale à expressão “vale tudo”Do bom uso do relativismo