Questões de Português - Variação Linguística para Concurso
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O uso do pronome oblíquo iniciando a frase
Olivia
Luís Fernando Veríssimo.
Querida Olivia Schmid, muito obrigado pela carta que você mandou no hospital Pro Cardíaco, quando soube que eu estava internado lá, semana passada. Sua carta me emocionou, bem como as muitas mensagens que recebi dos amigos e de desconhecidos como você, desejando meu restabelecimento. O restabelecimento era garantido, pois eu estava nas mãos dos médicos Claudio Domenico, Marcos Fernandes, Aline Vargas, Felipe Campos e toda a retaguarda de craques do hospital, além do dr. Alberto Rosa e do dr. Eduardo Saad, que instalou no meu peito o marca-passo que, se entendi bem, vai me permitir competir. Mas, infelizmente, não pude responder sua cartinha porque você não colocou seu endereço. Só sei que você se chama Olivia (lindo nome), tem 10 anos, mora na Tijuca e cursa o quinto ano da Escola Municipal Friedenreich. E que gosta muito de ler.
Você me fez uma encomenda: pediu que eu escrevesse uma história sobre pessoas que não gostam de acordar cedo de manhã, como você. Vou escrever a história, Olivia, inclusive porque pertenço à mesma irmandade. Concordo que não existe maldade maior do que tirar a gente do quentinho da cama com o pretexto absurdo de que é preciso ir à escola, trabalhar etc., todas essas coisas que não se comparam com o prazer de ficar na cama só mais um pouquinho. Acho até que poderíamos formar uma associação de pessoas que pensam como nós, uma Associação dos que Odeiam Sair da Cama de Manhã (AOSCM). Poderíamos até fazer reuniões do nosso grupo - desde que não fossem muito cedo de manhã, claro.
Você me fez um pedido e eu vou fazer um a você, Olivia. Por favor, continue sendo o que você é. Não, não quero dizer leitora dos meus livros, se bem que isto também. Continue sendo uma pessoa que consegue emocionar outra pessoa com um simples ato de bondade, sem qualquer outro pretexto a não ser sua vontade de ser solidária. Você deve ter notado que o pessoal anda muito mal-humorado, Olivia. Se desentendem e brigam porque um não tolera a opinião do outro. Conversa vira bate- boca, debate vira, às vezes, até troca de tapas. Uma das crises em que o Brasil está metido é uma crise de civilidade. Não deixe que nada disso mude a sua maneira de ser, Olivia. O seu simples ato de bondade vale mais do que qualquer um desses discursos rancorosos. Animou meu coração mais do que um marca-passo. O Brasil precisa muito de você, Olivia.
Leia o texto e responda o que se pede nos comandos da questão.
A força das palavras
Palavras assustam mais do que fatos: às vezes é assim.
Descobri isso quando as pessoas discutiam e lançavam palavras como dardos sobre a mesa de jantar. Nessa época, meus olhos mal alcançavam o tampo da mesa e o mundo dos adultos me parecia fascinante. O meu era demais limitado por horários que tinham de ser obedecidos (porque criança tinha de dormir tão cedo?), regras chatas (porque não correr descalça na chuva? por que não botar os pés em cima do sofá, por quê, por quê, por quê ...?), e a escola era um fardo (seria tão mais divertido ficar lendo debaixo das árvores no jardim de casa...).
Mas, em compensação, na escola também se brincava com palavras: lá, como em casa, havia livros, e neles as palavras eram caramelos saborosos ou pedrinhas coloridas que a gente colecionava, olhava contra a luz, revirava no céu da boca. E, às vezes, cuspia na cara de alguém de propósito para machucar (...).
A palavra faz parte da nossa essência: com ela, nos acercamos do outro, nos entregamos ou nos negamos, apaziguamos, ferimos e matamos. Com a palavra seduzimos num texto; com a palavra, liquidamos - negócios, amores. Uma palavra confere o nome ao filho que nasce e ao navio que transportará vidas ou armas.
"Vá”, “Venha”, "Fique”, “Eu vou”, “Eu não sei”, “Eu quero, mas não posso”, “Eu não sou capaz”, “Sim, eu mereço” - dessa forma, marcamos as nossas escolhas, a derrota diante do nosso medo ou a vitória sobre o nosso susto. Viemos ao mundo para dar nome às coisas: dessa forma, nos tornamos senhores delas ou servos de quem as batizar antes de nós.
Fonte: Lya Luft. Ponto de Vista. Veja, 14/07/04
O LOBO MORAVA EM CASA
Rosângela Sales Cohen, 56 anos, de Belém do Pará. A história que tenho para contar é semelhante à de Chapeuzinho Vermelho. Só que o lobo morava em minha casa. Era o meu pai. Fui abusada por ele durante a infância e a adolescência.
Sou a 13ª de uma família de catorze irmãos de Belém do Pará. Por alguma razão, meu pai me escolheu quando eu era tão novinha que nem lembro a idade que tinha. Na calada da noite, ele ia à minha cama, fazia o que queria comigo e depois ia embora. Eu era muito pequena, não tinha noção do que era certo ou errado. Tudo foi piorando à medida que não queria mais satisfazer seus desejos, ele começou a me ameaçar, dizendo que deixaria a família passar fome. Toda a minha pureza virou indiferença. Desenvolvi um mecanismo de autodefesa que consistia em anular todos os meus sentimentos bons ou ruins. Tornei-me um ser não vivo. E tenho lembranças fragmentadas daquela época.
Por volta dos 5 anos, tive uma de minhas experiências mais traumáticas. Ouvi de um familiar que eu gostava daquilo. Era como se eu houvesse seduzido meu pai. Aquelas palavras foram como uma faca cortando minha alma. Passei a ser acometida por uma febre psicológica, que me fazia delirar a mais de 40 graus. Estavam me acusando de algo do qual era vítima, e o fato de todos saberem o que acontecia e ninguém fazer nada me revoltava ainda mais. Passei a me sentir, de fato, culpada. Tinha nojo de mim mesma, além de muita vergonha. Acima de tudo, havia o medo.
Então, um dia, quando eu já tinha 15 anos, meu pai acabou sendo expulso de casa pelos meus irmãos por causa das maldades que fazia comigo. Acreditei que meus problemas haviam acabado. Aos 16 anos, tive o meu primeiro namorado. Ficamos três anos juntos, e ele sempre foi muito respeitoso comigo. Quando tinha 20 anos, comecei a namorar um rapaz que conheci na saída da faculdade. Na época, tinha planos de me casar, constituir uma família, ir para bem longe da minha casa. E, por isso, eu o via como uma espécie de "salvador”. Em uma ocasião, saímos para ir a uma festa. A noite estava ótima, até a hora de ir embora... Na volta para casa, ele parou no motel. Em dado momento, começou a me olhar de maneira estranha, de uma forma que eu já conhecia. Fingi que estava passando mal e me tranquei no banheiro, chorando desesperadamente. Ele, então, começou a ficar agressivo e a dar murros na porta, dizendo que iria arrombá-la. Abri a porta e aconteceu o que eu previra.
A sensação de impotência era o que mais me afligia. No fim, a violência emocional é muito maior do que a física. Na manhã seguinte, ele me deixou em casa, como se nada tivesse acontecido, e ainda acenou para minha mãe com um sorriso. Disse a ele que, se voltasse a se aproximar de mim, iria denunciá-lo por estupro. Ele nunca mais apareceu.
Os abusos me fizeram desenvolver fobias e síndromes, doenças psicossomáticas que passei a estudar para procurar respostas quando ingressei no curso de psicologia. Eu havia me tornado uma pessoa amarga e egoísta, que magoava os outros. A simples aproximação de alguém me causava pânico. Curei-me física, emocional e espiritualmente em um retiro religioso em Curitiba, onde fiquei por um mês. Deus me deu condições de lutar contra o ódio e o medo que me congelavam. Descobri que era capaz de amar e me deixar ser amada. O mais difícil foi perdoar, mas consegui.
Hoje sou mãe de três filhas e avó de duas netas, além de ser dona de uma corretora de imóveis. Faço esse relato com um sorriso no rosto porque consegui criar três mulheres fortes e independentes. Pretendo publicar um livro com a história da minha vida para conscientizar as pessoas sobre a realidade do estupro. O nome do livro será Superação.
(Fonte: Depoimento colhido por Eduardo Gonçalves. Revista Veja,
n° 2483)
No Texto 1, percebe-se o uso de uma linguagem mais informal, próxima da língua falada e de acordo com a situação de comunicação retratada. Analise as quatro assertivas a seguir sobre o uso da variante linguística utilizada no texto em análise.
I Em “Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas (...)” (linhas 1-2), a imprecisão referente à data é própria da linguagem informal.
II Em “Perguntaram-me se o ladrão estava armado (...)” (linha 13), a ênclise é própria da modalidade oral informal.
III Em “O tiro fez um estrago danado no cara!” (linha 24), “danado” é uma gíria muito comum e, nesse contexto, significa “enorme”.
IV Em “(...) e a turma dos direitos humanos, que não perderiam isso por nada neste mundo” (linhas 27-29), há uma problema de concordância, recorrente na variante informal da língua portuguesa.
É verdadeiro o que está contido somente em