Questões de Concurso Público Prefeitura de Belém - PA 2021 para Professor Licenciado Pleno - Geografia
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DOCE
Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.
DOCE
Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.
DOCE
Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.
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Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.
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Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.
DOCE
Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.
DOCE
Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.
DOCE
Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.
DOCE
Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.
Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
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DOCE
Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.
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Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.
O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.
Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...]
Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]
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