Menos plástico, mais amor
Eu provavelmente estava distraída quando os
guardanapos das lanchonetes começaram a vir
em invólucros de plástico. Você precisa abri-los
antes de sujar as mãos, senão pode ser tarde e
complicado demais. Isso me deixa irritada todas
as vezes. Embora essa questão de natureza
prática seja importantíssima, não é sobre ela
que eu gostaria de falar. O que me intriga de
fato é em que momento e por que nós
começamos a exagerar tanto no uso das coisas
plásticas (copos, pratos, mexedores,
embalagens para um único
canudo). Vou chamar o
fenômeno de hiperassepsia.
Será que alguém morreu por
um guardanapo contaminado, e
eu não fiquei sabendo?
E quanto ao copo
descartável que acompanha a
garrafa também descartável,
nós precisamos mesmo dele? E do prato de
plástico contendo um muffin que, por sua vez, já
está devidamente protegido por uma redoma
cujo rápido destino é o lixo? E o que dizer dos
seis saquinhos de shoyu ofertados por um único
temaki? Quando as tele-entregas japonesas me
mandam um porte de gosma verde sem
perguntar (não gosto de wasabi, eu diria,
lamento), tenho pontadas no coração pensando
em todo aquele plástico desperdiçado. [...]
O exagero dos plásticos parece estar
ligado à tendência de querer agradar a qualquer
custo. Pela natureza um tanto infantilizada
dessa relação estabelecimento-cliente, talvez
seja mais adequado usar a palavra mimar. Só
isso pode explicar o que observo
cotidianamente nos caixas de supermercado.
Embora a maioria de nós seja perfeitamente
capaz de pôr objetos dentro de uma sacola, nós
temos empacotadores. E você já percebeu que
esses empacotadores sãos instruídos a não
colocar no mesmo saco uma pasta de dente e
um pacote de biscoitos? A consequência disso é
o uso de uma quantidade absurda de sacolas. Eu
me pergunto que tipo de horror aconteceria
caso esses itens, bem seguros dentro de suas
respectivas embalagens, dividissem o mesmo
espaço.
Na minha sacola de pano, sob os olhos
atônitos do empacotador que acabo de
dispensar, é claro que tudo vai misturado.
Continuo viva.
In: Uma estranha na cidade, de Carol Bensimon,
Editora Dubliense, 2016.
https://www.escrevendoofuturo.org.br/blog/lit
eratura-em-movimento/menos-plastico-maisamor/ (trecho) Acesso em: 18/11/20