– Fio, fais um zoio de boi lá fora pra nóis.
O menino saiu do rancho com um baixeiro na cabeça e,
no terreiro, debaixo da chuva miúda e continuada,
enfincou o calcanhar na lama, rodou sobre ele o pé,
riscando com o dedão uma circunferência no chão mole
– outra e mais outra. Três círculos entrelaçados, cujos
centros formavam um triângulo equilátero.
Isto era simpatia para fazer estiar. E o menino voltou:
– Pronto, vó.
– O rio já encheu mais? – perguntou ela.
– Chi! tá um mar d’água. Qué vê, espia – e apontou com o
dedo para fora do rancho.
A velha foi até a porta e lançou a vista. Para todo lado
havia água. Somente para o sul, para a várzea, é que
estava mais enxuto, pois o braço do rio aí era pequeno. A
velha voltou para dentro arrastando-se pelo chão, feito
um cachorro, cadela, aliás: era entrevada. Havia vinte anos
apanhara um “ar de estupor” e desde então nunca mais se
valera das pernas, que murcharam e se entorceram.
ÉLIS, Bernardo. Nhola dos Anjos e a cheia do Corumbá. In: SILVA, V. M. T.;
DENÓFRIO, D. F.; TURCHI, M. Z. (orgs). Antologia do conto goiano: volume 1:
dos anos dez aos sessenta. Goiânia: Editora UFG, 2013, p. 99. [Adaptado].