“Talvez estejamos muito condicionados a uma
ideia de ser humano e a um tipo de existência. Se a
gente desestabilizar esse padrão, talvez a nossa
mente sofra uma espécie de ruptura, como se
caíssemos num abismo. Quem diria disse que a
gente não pode cair¿ Quem disse que a gente já não
caiu¿ Houve um tempo em que o planeta que
chamamos Terra juntava continentes todos numa
grande Pangeia. Se olhássemos lá de cima do céu,
tiraríamos uma fotografia completamente diferente
do globo. Quem sabe se, quando o astronauta Iúri
Gagárin disse “a Terra é azul”, ele não fez um
retrato ideal daquele momento para essa
humanidade que nós pensamos ser. Ele olhou com
o nosso olho, viu o que a gente queria ver. Existe
muita coisa que se aproxima mais daquilo que
pretendemos ver do que se podia constatar se
juntássemos as duas imagens: a que você pensa e a
que você tem. Se já houve outras configurações da
Terra, inclusive sem a gente aqui, por que é que nos
apegamos tanto a esse retrato com a gente aqui? O
Antropoceno tem um sentido incisivo sobre a nossa
existência, a nossa experiência comum, a ideia do
que é humano. O nosso apego a uma ideia fixa de
paisagem da Terra e de humanidade é a marca mais
profunda do Antropoceno.” (KRENAK, Ailton.
Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019. Pág. 58.)
“Antropoceno”, a que o pensador indígena Aílton
Krenak faz referência, é um conceito muito
estudado e discutido atualmente no campo das
ciências sociais por muitos sociólogos e
antropólogos, a exemplo de Bruno Latour. Esse
termo: