Vocês, queridas leitoras e estimados leitores, apresentam
sangue quente, como este articulista. Quem registra ancestrais na Calábria ou Andaluzia costuma se orgulhar de ter o
fluido vermelho alguns graus acima da média. Talvez seja
apenas lenda.
Nossos filhotes precisam ser amamentados. Em quantidades e locais distintos, temos pelos. Nosso coração é
dividido em quatro cavidades. Se você se lembra do Ensino
Fundamental, algumas dessas características nos classificam como mamíferos.
Somos também capazes de elaborar narrativas com nossos cérebros desenvolvidos. A chamada Revolução Cognitiva
foi fundamental para a ascensão da nossa espécie no planeta.
Criamos códigos morais como o interdito do assassinato de
outro ser humano.
A identidade com os mamíferos é muito grande para você
e para mim. Há mais gente criando cachorros e gatos do que
cobras ou lagartos. O carinho escasseia ainda mais se tratamos
de insetos.
A Espanha aprovou lei que proíbe venda, em lojas, de
animais de estimação. Você conhece alguma norma jurídica,
ou condenação moral, contra empresas que eliminam ratos?
Desratização é palavra consagrada e parece contar com
certo apoio social. Um restaurante pode ser multado se não
exterminar ratos. Ratos perto das mesas espantam clientes.
Permitir cachorros entre os comensais é gesto simpático.
Ratos, cachorros e felinos são mamíferos de sangue
quente, inteligentes, amamentam filhotes e estão presentes
em muitas casas.
Em 2012, em Cambridge, um grupo de cientistas lançou
um documento que expunha: “O peso das evidências indica
que os humanos não são os únicos a possuírem os substratos
neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos
também possuem esses substratos”.
Temos evidências científicas de que muitos animais sofrem
e possuem elevada consciência disso. O relatório de Cambridge
é sólido.
Os animais nunca deveriam sofrer. Vivemos dias em que
temos de dizer isso de humanos também. Apenas indiquei
nossas ambiguidades, não para diminuir a proteção e a sensibilidade em relação a alguns seres vivos, mas para ampliá-las.
O casal se separa e pode levar a juízo a posse do cachorro. Os
ratos da casa dos divorciados? Eles (os camundongos) que
lutem.
(Leandro Karnal. Disponível em https://cultura.estadao.com.br/
noticias/geral,a-dignidade-dos-mamiferos,70004084877.
Acesso em 19.06.2022. Adaptado)