Ouço falar de escritores atemorizados, assombrados
com sua própria morte. Escritores que não temem o lento definhar do corpo, não temem o desfalecer da mente num sono
fatal. O que temem é um fim menor, é a morte de sua função.
Sofrem com a ameaça cada vez mais concreta de que máquinas passem a realizar seu trabalho, ponham-se a escrever romances, poemas, crônicas, ensaios filosóficos. Sentem
atordoados seus pobres cérebros ante a grandiosidade do
cérebro eletrônico, sentem obsoletos seus caóticos neurônios em face de algoritmos bem mais ordeiros, mais eficazes.
Esse receio já longevo e tratado em ficções demais ganhou contornos quase dramáticos nos últimos meses, desde
a aparição de programas que criam textos inéditos de qualidade razoável, e da publicação dos primeiros romances de
autoria eletrônica. O debate tem tomado mais de uma mesa
de bar, mais de um fórum virtual, confrontando não exatamente máquinas e humanos, mas sim céticos e apocalípticos,
calmos e atormentados. Os primeiros se riem da promessa
descumprida, riem das precariedades da máquina, de sua
absoluta inaptidão para o humor e o lirismo. Os segundos
mantêm os cenhos franzidos e alertam com sabedoria: não
se enganem, a máquina acaba de surgir, e há de se livrar das
fraquezas em velocidade impressionante.
De minha parte, se me permitem, prefiro permanecer
desassombrado — a morte literal ainda me parece um terror
mais palpável. Não que eu seja um cético, não duvido da capacidade robótica de nos abismar, confio que em pouco tempo computadores comporão obras consideráveis, e em muito
tempo podem chegar a portentos literários. Mas desconfio é
dos humanos: da nossa disposição de apreciar um romance
bom carente de um autor, desprovido de uma figura anterior feita de carne e de sonho. Desconfio que não queiramos
livros escritos sem suor e intenção, redigidos por seres insensíveis às desrazões da arte, por seres indiferentes à história
humana, seu prazer, sua dor.
(Julián Fuks. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/
julian-fuks/2023/05/13/a-nova-morte-do-autor-substituidoagora-pelo-cerebro-eletronico.htm. Adaptado)