O direito brasileiro apresenta uma evolução coerente com aq...

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Q1941376 Direito Administrativo
O direito brasileiro apresenta uma evolução coerente com aquela adotada pelos países da família romano-germânica no que tange à responsabilidade pública. Não foi pioneiro ou inovador, tampouco tardio. (Sérgio Severo, Tratado da Responsabilidade Pública, 2009, p. 39).
A propósito do tema, a
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Vejamos cada proposição da Banca:


A) prática de ato lícito pelo agente público pode ensejar a responsabilidade estatal, desde que o resultado ocasione dano anormal e específico ao particular. 


Certo: realmente, considerando que nosso ordenamento abraçou a responsabilidade objetiva do Estado, que independe da presença de dolo ou culpa, é verdadeiro aduzir que mesmo a prática de atos lícitos, por parte de agentes públicos, pode render ensejo ao dever de indenizar. Dito de outro modo, não há necessidade de que o ato seja ilícito para que se configure a responsabilidade civil do Estado.


No que tange ao dano ter de ser anormal e específico, a proposição encontra apoio expresso na doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim ensina:


"A configuração do dano reparável na hipótese de comportamentos estatais lícitos requer que, ademais da certeza do dano e da lesão a um direito, cumulem-se as seguintes duas outras características: especialidade e anormalidade."


Em resumo, leciona o autor que o dano anormal é aquele que supera agravos patrimoniais de pequena monta, os quais seriam inerentes e aceitáveis no bojo do próprio convívio social. O exemplo fornecido, de um dano que não seria tido como anormal, é o de uma obra pública que acarreta o fechamento temporário de uma via pública, fazendo com que os moradores da localidade tenham de deixar seus veículos em outro local, com possíveis custos aí envolvidos.


Quanto ao dano dever ser específico, a ideia é que deva se tratar de prejuízo que recaia sobre um ou alguns indivíduos determinados, não se tratando, portanto, de um dano genérico, ao qual todos os cidadãos estão sujeitos, indistintamente, e, por conseguinte, devam suportar de maneira isonômica.


Do exposto, sem reparos a este item.


B) teoria da culpa do serviço (faute du service), de origem francesa, não é aplicável no estágio atual de evolução do tema, pois o direito brasileiro superou as teorias civilistas da responsabilidade.

Certo: o presente item foi dado como incorreto pela Banca, do que discordo, pelas razões a seguir esposadas.

Sempre se travou intensa discussão acerca da natureza da responsabilidade civil do Estado, em casos de condutas omissivas, vale dizer, se a hipótese seria de responsabilização objetiva ou subjetiva do Estado. Um doutrina, de forma majoritária, entendia se tratar de responsabilidade subjetiva, sendo que defendia, justamente, a aplicação da teoria da culpa do serviço (faute du service), também chamada de teoria da culpa anônima do serviço.

De acordo com esta teoria, a responsabilidade estatal poderia derivar de três situações, a saber: i) o serviço não funcionou; ii) o serviço funcionou tardiamente; ou iii) serviço funcional mal.


Como dito acima, era esta a posição prevalente, em sede doutrinária, no que concerne aos danos causados a partir de comportamentos estatais omissivos.


Ocorre que o STF firmou compreensão em contrário, vale dizer, na linha da aplicabilidade da teoria do risco administrativo, de índole objetiva, mesmo em se tratando de condutas omissivas do Estado.


Na linha do exposto, eis o seguinte trecho de julgado do Supremo:


"(...) A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral."

(RE 841526, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PÚBLICO 01-08-2016)


Desta maneira, se, na visão consagrada pelo STF, a teoria do risco administrativo é aplicável aos casos de condutas omissivas, o mesmo podendo se afirmar, como sempre foi, quanto às às hipóteses de condutas comissivas, então, qual ainda seria o espaço de incidência da teoria da culpa anônima do serviço? Penso que a responsa é: não há.

Nestes termos, considero acertado sustentar que não há mais aplicabilidade da teoria da culpa do serviço, à luz do atual posicionamento jurisprudencial de nossa Suprema Corte.

Do exposto, divergindo do entendimento aqui adotado pela banca, entendo correta a presente opção, de modo que a questão, salvo melhor juízo, seria passível de anulação, por conter mais de uma resposta correta.


C) prescrição quinquenal da pretensão de reparação de dano é aplicável apenas às pessoas jurídicas de direito público, sendo que as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público estão sujeitas à prescrição trienal, nos termos da legislação civil.  

Errado: trata-se de proposição em manifesto desacordo à regra do art. 1º-C da Lei 9.494/97, que abaixo transcrevo:

"Art. 1o-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
"

Logotipo por dispor contra texto expresso de lei, está equivocada a presente opção.


D) teoria da imputação volitiva, de origem alemã, pressupõe que toda e qualquer atuação do agente estatal deve ser atribuída ao Estado, para fins de responsabilização.

Errado: a rigor, apenas os atos cometidos por agentes públicos, no exercício de suas funções (ou a pretexto de exercê-las), podem ser imputados ao Estado, o mesmo não se podendo dizer em relação aos atos da vida privada de cada agente estatal, sem relação com suas funções públicas.

No ponto, o art. 37, §6º, da CRFB, é explícito ao exigir que o agente do Estado esteja agindo nesta qualidade. Confira-se:


"Art. 37 (...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Logotipo incorreto este item, ao sustentar que toda e qualquer atuação do agente estatal deve ser atribuída ao Estado.


E) responsabilidade integral, consagrada no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal é a regra aplicável às condutas comissivas estatais, conforme entendimento doutrinário e jurisprudência dominante.

Errado: por fim, incorreta esta opção, visto que a teoria aplicável em nosso ordenamento, conforme acima exposto, não é a teoria do risco integral, mas, sim, a teoria do risco administrativo. A diferença fundamental entre ambas reside em que esta última admite a incidência de causas excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro), o que não ocorre no caso do risco integral.


Gabarito da Banca: A

Gabarito do professor: A e B (Anulável)




Referências Bibliográficas:

BANDEIRA DE MELLO, Celso. Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 1039.

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Gabarito letra A

A prática de ato, seja ele lícito ou ilícito, pode ensejar a responsabilidade civil do Estado. No caso de atos lícitos, a responsabilização irá ocorrer, atendidos os demais requisitos legais, quando estivermos diante de dano anormal e específico causado ao particular.

RE 571969 – RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO POR DANOS CAUSADOS A CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO (VARIG S/A). RUPTURA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO DECORRENTE DOS EFEITOS DOS PLANOS ‘FUNARO’ E ‘CRUZADO’. DEVER DE INDENIZAR. RESPONSABILIDADE POR ATOS LÍCITOS QUANDO DELES DECORREREM PREJUÍZOS PARA OS PARTICULARES EM CONDIÇÕES DE DESIGUALDADE COM OS DEMAIS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DO DIREITO ADQUIRIDO E DO ATO JURÍDICO PERFEITO.

fonte: Gran

Segundo alguns doutrinadores, o Estado só responde objetivamente se o dano decorrer de ato antijurídico, o que deve ser entendido em seus devidos termos. Ato antijurídico não pode ser entendido, para esse fim, como ato ilícito, pois é evidente que a licitude ou ilicitude do ato é irrelevante para fins de responsabilidade objetiva; caso contrário, danos decorrentes de obra pública, por exemplo, ainda que licitamente realizada, não seriam indenizados pelo Estado. Somente se pode aceitar como pressuposto da responsabilidade objetiva a prática de ato antijurídico se este, mesmo sendo lícito, for entendido como ato causador de dano anormal e específico

a determinadas pessoas, rompendo o princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais. Por outras palavras, ato antijurídico, para fins de responsabilidade objetiva do Estado, é o ato ilícito e o ato lícito que cause dano anormal e específico. 

Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 33. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

Gabarito: letra a

ERRO DA "D":

O erro consiste em afirmar que toda e qualquer atuação do agente estatal deve ser atribuída ao Estado, visto que apenas as condutas no execício do cargo ou em função dele poderão ser imputadas ao Estado. Logo, os atos na vida privada não serão de responsabilidade estatal.

A teoria da imputação volitiva, de origem alemã, pressupõe que toda e qualquer atuação do agente estatal deve ser atribuída ao Estado, para fins de responsabilização.

A)    Correta. Para que haja responsabilidade estatal, o dano deve ser específico (porque atinge apenas um ou alguns membros da coletividade) e anormal (porque supera os inconvenientes normais da vida em sociedade, decorrentes da atuação estatal). Essa lesão tem que ser diferenciada, haja vista que os danos corriqueiros decorrentes da vida em sociedade não podem resultar na responsabilidade do poder público.

B)    Incorreto. A teoria da culpa do serviço foca na responsabilidade com base no serviço e se aplica em três situações: serviço não funcionou, serviço não funcionou bem ou o serviço atrasou. Então, ela ainda é utilizada no caso de omissão genérica do Estado.

C)    Incorreto. A prescrição é de cinco anos para ambos. Lei 9494/97: “Art. 1o-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos”.

D)    Incorreto. De fato, o princípio da imputação volitiva afirma que as ações cometidas pelos agentes e servidores públicos devem ser atribuídas a pessoa jurídica a que ele esteja ligado, porém esse princípio considera que a responsabilidade do ente público por atos praticados pelos agentes públicos ocorre quando estiverem no exercício da função pública ou decorrência dela, e não por toda e qualquer atuação como afirma a alternativa D.

E)    Incorreta. A responsabilidade integral inadmite excludentes na responsabilidade da administração, cabendo ao Estado suportar os danos sofridos por terceiros em qualquer hipótese. Se essa fosse a regra, o Estado seria um garantidor universal, atingindo desarrazoadamente os cofres públicos. Por isso, a regra aplicável é a teoria do risco administrativo em que a responsabilidade estatal admite as clássicas excludentes de responsabilidade, a saber, culpa exclusiva de terceiro, caso fortuito ou força maior tendo-se adotado.

Se tiver algo errado, por favor, avisem.

A culpa do serviço não é civilista, mas sim publicista, além do que é aplicada ainda hoje aos casos de omissão.

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