Em plenário do Tribunal do Júri, o advogado de defesa, cons...
Após o sorteio dos jurados e a formação do conselho de sentença e já proferido o juramento, o oficial de Justiça presencia uma conversa entre os jurados sobre o bom desempenho do promotor de Justiça em julgamento ocorrido no mês anterior. De ofício, o juiz presidente determina o registro do fato em ata e o prosseguimento do julgamento. Ao final, o mesmo oficial certifica a incomunicabilidade dos jurados, levando o advogado a questionar o fato em recurso de apelação.
O feito segue para a fase instrutória, para a qual o Ministério Público arrolara 8 testemunhas, ouvindo em plenário 5 delas. A defesa, por sua vez, ouviu todas as suas 4 testemunhas arroladas.
Nos debates orais, o promotor de Justiça dedica parte de seu tempo à leitura minuciosa da decisão que recebeu a denúncia e decretou a prisão preventiva do réu (prisão esta revertida em habeas corpus), ressaltando o conhecimento e a experiencia do juiz sumariante, titular do cargo há 20 anos, professor de Processo Penal e com diversos livros publicados sobre o Tribunal do Júri, situação que provocou inconformismo imediato do advogado, que fez constar seu protesto em ata e sustentou imediato pedido de nulidade, também indeferido.
Considerando o caso narrado acima, assinale a alternativa CORRETA:
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A) Incorreta. A intimação da decisão de pronúncia de acusado solto, por edital, não é causa de nulidade. Aliás, o CPP prevê expressamente essa possibilidade no parágrafo único do art. 240 do CPP:
Art. 420. A intimação da decisão de pronuncia será feita:
(...) Parágrafo único. Será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado.
Conforme o próprio enunciado narrou, o acusado mudou de endereço e não comunicou ao juízo, portanto, tendo em vista que não foi encontrado, é plenamente possível a sua intimação por edital e não há que se falar em nulidade.
B) Correta. A incomunicabilidade dos jurados, prevista no §1º do art. 466 do CPP dispõe que:
Art. 466. (...) §1º. O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do §2º do art. 436 deste Código.
O CPP não menciona, mas a doutrina é pacífica no sentido de que a incomunicabilidade não é absoluta. Desta feita, Renato Brasileiro dispõe que: “(...) não se reveste de caráter absoluto, porquanto diz respeito apenas a manifestações atinentes ao processo. Logo, não se constitui quebra da incomunicabilidade o fato de os jurados, logo após terem sido escolhidos para o Conselho de Sentença, usarem telefone celular, na presença de todos, para o fim de comunicar a terceiros que haviam sido sorteados, sem qualquer alusão a dados do processo que seria julgado, mormente se houver certidão de incomunicabilidade firmada por oficial de justiça, que goza de presunção de veracidade." (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 8ª ed. rev. atual. e ampl. Editora JusPodivm. Salvador. 2020. p. 1444).
C) Incorreta. Não há obrigatoriedade da oitiva de todas as testemunhas arroladas.
O STJ já decidiu no seguinte sentido: “(...) 3. Inexiste qualquer peculiaridade a ensejar a obrigatoriedade da oitiva de testemunhas defensivas além do rol legal, eis que somente trata-se de um fato criminoso uno, não se configurando o alegado cerceamento de defesa. 4. Não há falar em eventual permissão para a produção da prova oral – de 40 (quarenta) pessoas – sob a alegação da busca da verdade real, pois a oitiva extraordinária é facultada o magistrado, em apreciação pontual, demonstrada a necessidade, o que foi refutado de modo fundado, sendo que, entendimento outro, a permitir o extenso rol testemunhal defensivo, poderia acarretar, inclusive, indevida letargia no feito, a afrontar o princípio da razoável duração do processo. (HC 253.399/AP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Dje de 27/06/2014).
D) Incorreta, conforme o gabarito da Banca Examinadora.
O art. 478 do CPP dispõe que:
“Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo."
Em que pese o gabarito da banca tenha considerado a questão incorreta, este entendimento é passível de questionamento, em razão dos recentes entendimentos jurisprudenciais.
A doutrina entende que o rol do art. 478 do CPP não é taxativo e, portanto, referência à decisão que recebeu a denúncia e decretou a prisão preventiva, poderiam ser enquadradas nestes incisos.
Renato Brasileiro (2020, p. 1515) menciona que: “(...) Parece-nos que o rol do art. 478 do CPP não é taxativo. A título de exemplo, na hipótese de a leitura do decreto de prisão preventiva ser levado a efeito com o objetivo de extrair uma presunção de culpa, haverá indevida influência do julgado dos jurados, acarretando a nulidade de eventual veredicto condenatório. A jurisprudência, no entanto, parece caminhar em sentido diverso. Em recente julgado, a 1ª Turma do Supremo concluiu que a leitura, pelo Ministério Público, da sentença condenatória de corréu proferida em julgamento anterior não teria o condão de gerar nulidade de sessão de julgamento pelo conselho de sentença, notadamente diante da ausência de comprovação de que o documento teria, de fato, sido empregado como argumento de autoridade de modo a causar prejuízo insanável à defesa."
Por isso, a alternativa D é frágil e merece reflexão, pois deixou, desde logo, expresso que o parquet fez referência à decisão como argumento de autoridade; o que, de fato, seria causa de nulidade.
Entretanto, seguindo o entendimento da Banca Examinadora, esta alternativa estaria incorreta.
Gabarito do professor: Alternativa B.
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O que se entende por nulidade de algibeira ou de bolso?
Bem, sabe-se que a disciplina normativa das nulidades processuais, no sistema jurídico brasileiro, rege-se pelo princípio segundo o qual “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” (CPP, art. 563 – grifei). Esse postulado básico – “pas de nullité sans grief” – tem por finalidade rejeitar o excesso de formalismo, desde que eventual preterição de determinada providência legal não tenha causado prejuízo para qualquer das partes.
Por isso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, atenta à efetividade e à razoabilidade que deve existir na prestação jurisdicional, tem repudiado o uso do processo como instrumento difusor de estratégias, vedando, assim, a utilização da chamada "nulidade de algibeira ou de bolso" (REsp 1.372.802/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, DJe 17/03/2014; REsp 756.885/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ 17/09/2007). Com efeito, referida artimanha processual se verefica quando, não obstante já tiver tomado conhecimento de uma possível nulidade, a parte, de forma maliciosa, se queda inerte, deixando para manifestar-se em momento que melhor lhe convier.
Esse tipo de comportamento, por óbivo, além de passar longe de prestigiar a lealdade e a boa-fé processual, as quais constituem obrigação imposta a todos os atores processuais, somente se presta a tumultuar o andamento do processo, constituindo verdadeira afronta ao princípio geral de direito de que a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza.
O processo, sob a ótica de qualquer de seus escopos, não pode tolerar o abuso do direito ou qualquer outra forma de atuação que enseje a litigância de má-fé. Logo, condutas contrárias à verdade, fraudulentas ou procrastinatórias conspurcam o objetivo publicístico e social do processo, a merecer uma resposta inibitória exemplar do Judiciário. (Cfe. Ada GRINOVER, ARAÚJO CINTRA e CÂNDIDO DINAMARCO. Teoria Geral do Processo, 8. ed., rev. e atual. São Paulo: RT, 1991, p. 117).
- Hipótese em que o agravante busca se prevalecer da estratégia denominada nulidade de algibeira, suscitando nulidade não arguida no momento oportuno, como forma de prevalecer do vício de forma oportuna no futuro. Tal manobra é rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive na hipótese de nulidade absoluta, porque não se coaduna com o princípio da boa-fé, que deve nortear as relações jurídico-processuais. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no AgRg no HC 636.103/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021)
GABARITO: LETRA B
LETRA A - ERRADO: A Lei nº. 11.689/2008, permite que o réu seja intimado da pronúncia por edital. Ou seja, se o réu não for localizado para tomar ciência da sentença de pronúncia, o juiz intima-lo-á por edital, dando continuidade aos procedimentos do rito escalonado do júri. Por tal razão, há qualquer nulidade nesta forma de cientificação.
LETRA B - CERTO: Os jurados não precisam ficar totalmente em silêncio. O que a norma proíbe é que o jurado revele opinião sobre o processo, ou seja, indique preferência pela defesa ou acusação. Nesse sentido:
- Não ocorre quebra de incomunicabilidade quando o jurado se comunica ou conversa, ainda que durante a sessão, mesmo com os demais membros do Conselho de Sentença, desde que o assunto não seja a causa, as provas ou o mérito da imputação. STJ. 6ª Turma. REsp 1440787/ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/08/2014.
LETRA C - ERRADO: Inexiste obrigatoriedade na oitiva em plenário de todas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público. É isso, aliás, o que se extrai do § 2º do art. 401 do CPP, que diz que "A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código".
LETRA D - Ao interpretar o art. 478, inciso I, do CPP, Gustavo Badaró explica que o dispositivo em comento visa coibir “Não propriamente a pronúncia em si, mas a importância do magistrado que a prolatou, seja pela sua idoneidade e senso de justiça, seja por seu conhecimento jurídico”. Segundo o autor, “Nos casos em que a tese defensiva é a negativa de autoria, não raro enfrenta-se argumento acusatório de que a defesa é infundada, tanto assim que, se o acusado fosse inocente, o juiz ou o tribunal, ou ambos, não o teriam pronunciado”. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3ª Ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015, p. 703.)
O caso retratado na questão se assemelha àquilo que, recentemente, decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao entender que argumentar com base na prisão preventiva do réu viola a proibição de utilização do argumento de autoridade no plenário do Tribunal do Júri. Senão vejamos:
- (...) 2. A Acusação indagou, diante do Conselho de Sentença: "vocês acham que um juiz concursado, entendedor de leis, iria deixar o acusado preso, há mais de um ano, se esse homicídio fosse privilegiado?". Além disso, ao ser questionada pela Defesa acerca da indagação, replicou: "estou usando como argumento de autoridade sim, porque eu posso fazer isso". 3. A conduta da acusação violou a proibição de utilização do argumento de autoridade no plenário do Tribunal do Júri, seja porque falsamente induziu os jurados a acreditar que eventual conclusão do juiz togado sobre os fatos deveria ser por eles acatada, (...) (REsp 1828666/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 28/05/2020)
Qual o erro da alternativa d?
O erro da letra d, na minha opinião, é que fazer menção ao RECEBIMENTO DA DENÚNCIA não é causa de nulidade.
Atenção ao que diz o art. 478, I, CPP:
"Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências à DECISÃO DE PRONÚNCIA [...]".
Recebimento da denúncia é uma coisa; decisão de pronúncia é outra.
Sobre a alternativa D:
“A decisão por meio da qual a denúncia é recebida, assim como aquela que decreta a segregação cautelar do acusado, não constam dos incisos I e II do artigo 478 da Lei Processual Penal, inexistindo óbice à sua menção por quaisquer das partes. Aliás, o próprio caput do artigo 480 do Código de Processo Penal estabelece a possibilidade de leitura de peças processuais pelas partes, podendo a acusação, a defesa e os jurados, a qualquer momento e por intermédio do Juiz Presidente, pedir que o orador indique a folha dos autos onde se encontra o trecho lido ou citado.” (HC 153.121/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 01/09/2011)
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