Texto CG3A1
A crise durou minutos. Fiquei encolhido, trêmulo, com a
testa gelada, o corpo retesado, os músculos das costas contraídos
e a boca cerrada para não bater os dentes, à espera do calor que as
cobertas não traziam.
O termômetro marcou 40,2 graus. Os calafrios eram o
prenúncio de uma doença que por pouco não me levou desta para
outra melhor, como diria minha avó. Tomei um comprimido de
dipirona e dormi novamente. Às sete, levantei indisposto, com o
corpo moído e as pernas combalidas, para ir a uma reunião na
faculdade de medicina.
Foi uma luta para não pegar no sono no meio da
discussão. No jardim da faculdade, a caminho da rua, achei
prudente voltar para casa. Um pouco de repouso me deixaria em
condições de ir à penitenciária do estado depois do almoço, para
o atendimento aos presos, atividade iniciada nesse presídio após a
implosão do Carandiru.
Apesar da intenção, não consegui sair. Passei a tarde qual
cachorro decrépito, caindo em cima do computador enquanto
tentava escrever minha coluna de jornal. Afora a falta de energia,
no entanto, nenhum sintoma de gripe, resfriado ou outra
enfermidade.
À noitinha a febre retornou alta, acompanhada dos
mesmos calafrios e de dor nas costas. Tentei fazer o que muitas
vezes aconselhei a meus pacientes nessas crises: respirar fundo e
relaxar. Não sei onde aprendi recomendação tão inútil para quem
não é monge budista nem vive nas montanhas do Tibete. Relaxar,
com o corpo tremendo feito vara verde? Na febre alta, as toxinas
cravam as garras nos músculos e entorpecem o cérebro. O
pensamento fica fragmentado, fugidio, em estado de
introspecção. A astenia deixa o corpo avesso aos mínimos
esforços.
Drauzio Varella. O médico doente.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 10-11 (com adaptações).