Questões de Concurso
Sobre gêneros textuais em português
Foram encontradas 2.253 questões
A lógica norueguesa
De todas as viagens que fiz, nenhum povo me surpreendeu mais do que o norueguês. Estive por lá num início da primavera e fiquei intrigado com um trator que arava a terra no acostamento da rodovia onde eu trafegava. Logo descobri: o governo da Noruega paga aos fazendeiros para fazer jardins ao lado das rodovias. Certamente viajar rodeado por flores agradaria muito mais a qualquer turista. (...)
Dinheiro não é problema. A Noruega é um dos 10 maiores exportadores de petróleo do mundo. O governo tem reservas para sustentar o país por 100 anos se não entrar mais um centavo nos cofres públicos e ocupa a 6ª posição entre os menos corruptos (a Dinamarca é o primeiro e o Brasil… bem, deixa isso pra lá). Nem por isso há distribuição de grana, o governo aperta o cidadão, cobra altos impostos, e assim mantém as pessoas sempre desafiadas para ganhar a vida.
Quem manda é um rei, talvez a única monarquia que foi eleita no mundo. Em 1905, a Noruega não quis mais fazer parte da Suécia e em um plebiscito decidiu pela separação com 99,95% dos votos (só 184 eleitores votaram contra). Decidiram também pela monarquia, mas faltava um rei. Convidaram então Carlos da Dinamarca, que só aceitou a missão depois que um plebiscito aprovou seu nome por esmagadora maioria. O atual monarca é Haroldo V da Noruega.
Talvez você se lembre de que um dos quadros da série O Grito foi roubado e os ladrões deixaram até um bilhete (“obrigado pela falta de segurança”). Mas não foi por acaso: os responsáveis pela segurança se preocuparam que alguém pudesse se ferir em um assalto e isso seria mais intolerável que qualquer roubo. “Todo mundo sabe que esse quadro é nosso, ninguém vai comprar”, disseram os noruegueses. Tiro e queda, o quadro voltou.
É claro que um povo assim não se contentaria apenas em separar o lixo com rigor. Isso é para principiantes. Lá eles usam o lixo não reciclável para queimar e produzir energia elétrica. Imagina fazer um lixão num país tão lindo! Só que sempre surge um novo problema: falta lixo. Agora a Noruega se tornou importadora de lixo para produzir energia elétrica.
Gostei tanto que quis trazer para casa um aquavit, a bebida típica, com seus 40% de teor de álcool. No supermercado só achei cerveja e tive de perguntar. Não, não, destilados só em lojas controladas pelo governo (o vinmonopolet) que só vende para maiores de idade e jamais para pessoas embriagadas. Achei uma loja de licor e criei coragem de sacar meu cartão de crédito para pagar uma pequena fortuna pela garrafa. A vendedora, até então uma simpática idosa, me olhou horrorizada enquanto dizia: “como assim, você quer pagar bebida alcoólica com cartão de crédito?”. Tem toda lógica, convenhamos.
ARAÚJO, R. Disponível em: https://www.revistaviajemais.com.br/a-logica-norueguesa/#more-1248. Acesso em: 08/07/21
A respeito da linguagem utilizada no texto, analise as afirmativas.
I- O texto abusa dos usos próprios da linguagem oral, como bem, deixa isso pra lá.
II- Os termos surpreendeu, intrigado e agradaria são exemplos de recursos persuasivos utilizados pelo autor.
III- O aumentativo em Imagina fazer um lixão num país tão lindo! refere-se ao tamanho dos sacos de lixo utilizados no país.
IV- Em consonância com o gênero textual, predominam as formas verbais no pretérito.
Está correto o que se afirma em
A lógica norueguesa
De todas as viagens que fiz, nenhum povo me surpreendeu mais do que o norueguês. Estive por lá num início da primavera e fiquei intrigado com um trator que arava a terra no acostamento da rodovia onde eu trafegava. Logo descobri: o governo da Noruega paga aos fazendeiros para fazer jardins ao lado das rodovias. Certamente viajar rodeado por flores agradaria muito mais a qualquer turista. (...)
Dinheiro não é problema. A Noruega é um dos 10 maiores exportadores de petróleo do mundo. O governo tem reservas para sustentar o país por 100 anos se não entrar mais um centavo nos cofres públicos e ocupa a 6ª posição entre os menos corruptos (a Dinamarca é o primeiro e o Brasil… bem, deixa isso pra lá). Nem por isso há distribuição de grana, o governo aperta o cidadão, cobra altos impostos, e assim mantém as pessoas sempre desafiadas para ganhar a vida.
Quem manda é um rei, talvez a única monarquia que foi eleita no mundo. Em 1905, a Noruega não quis mais fazer parte da Suécia e em um plebiscito decidiu pela separação com 99,95% dos votos (só 184 eleitores votaram contra). Decidiram também pela monarquia, mas faltava um rei. Convidaram então Carlos da Dinamarca, que só aceitou a missão depois que um plebiscito aprovou seu nome por esmagadora maioria. O atual monarca é Haroldo V da Noruega.
Talvez você se lembre de que um dos quadros da série O Grito foi roubado e os ladrões deixaram até um bilhete (“obrigado pela falta de segurança”). Mas não foi por acaso: os responsáveis pela segurança se preocuparam que alguém pudesse se ferir em um assalto e isso seria mais intolerável que qualquer roubo. “Todo mundo sabe que esse quadro é nosso, ninguém vai comprar”, disseram os noruegueses. Tiro e queda, o quadro voltou.
É claro que um povo assim não se contentaria apenas em separar o lixo com rigor. Isso é para principiantes. Lá eles usam o lixo não reciclável para queimar e produzir energia elétrica. Imagina fazer um lixão num país tão lindo! Só que sempre surge um novo problema: falta lixo. Agora a Noruega se tornou importadora de lixo para produzir energia elétrica.
Gostei tanto que quis trazer para casa um aquavit, a bebida típica, com seus 40% de teor de álcool. No supermercado só achei cerveja e tive de perguntar. Não, não, destilados só em lojas controladas pelo governo (o vinmonopolet) que só vende para maiores de idade e jamais para pessoas embriagadas. Achei uma loja de licor e criei coragem de sacar meu cartão de crédito para pagar uma pequena fortuna pela garrafa. A vendedora, até então uma simpática idosa, me olhou horrorizada enquanto dizia: “como assim, você quer pagar bebida alcoólica com cartão de crédito?”. Tem toda lógica, convenhamos.
ARAÚJO, R. Disponível em: https://www.revistaviajemais.com.br/a-logica-norueguesa/#more-1248. Acesso em: 08/07/21
O cadeado
Por: Ana Cristina Vieira de Souza (Cris da Rocha)
Adaptado de: https://psicologiaacessivel.net/2018/04/03/ocadeado/. Acesso em 23 abr. 2021.
1. Leia o texto a seguir:
Dificuldade de concentração pode ser sinal de nevoeiro cerebral; veja como cuidar
Sintomas incluem esquecimento, lentidão e sobrecarga com tarefas banais
Em relação ao Texto 1, julgue, como VERDADEIRO ou FALSO, o item a seguir.
Trata-se de um texto argumentativo que se
enquadra no gênero Artigo de Opinião, uma
vez que tem a finalidade de defender uma
opinião e convencer o interlocutor. Além
disso, apresenta um tom pessoal da autora
ao defender seu ponto de vista.
Assinale a opção que apresenta o segmento de Machado de Assis que segue mais de perto essas instruções.
Junto com a urbanização acelerada, formou-se um olhar negativo sobre o mundo rural. Muitas vezes, ele é visto não apenas como arcaico – atrasado no tempo –, mas a expressão do que o País tem de pior: a exploração do ser humano e do meio ambiente, a tolerância com o passado escravocrata, o coronelismo. Trata-se de uma percepção reducionista e equivocada da realidade. Muito do que a cultura urbana contemporânea começa hoje a descobrir e a valorizar é vivido no campo brasileiro há décadas. Nos pastos, nas lavouras, nos terreiros de café, nos currais, nas hortas, nos pomares, nos silos de grãos, nos tratores, nas colheitadeiras, nos arados, nos arreios de couro, nas rédeas trançadas, nos carros de boi, há uma profunda sabedoria que convém não desperdiçar.
(CAVALEANTI, Nicolau da Rocha. O campo tem muito a ensinar à cidade. O Estado de São Paulo, São Paulo, ano 143, nº 47069, 31 ago. 2022. Espaço Aberto, p. A4.)
Em relação à tipologia e ao gênero desse excerto, marque V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas.
( ) A percepção do campo como retrógrado é a tese desse excerto.
( ) Os argumentos apresentados devem ser relativizados pela presença da ironia, como se pode perceber neste trecho: “Trata-se de uma percepção reducionista e equivocada da realidade”.
( ) O excerto é um exemplo do gênero artigo de opinião, porque se trata de um texto de natureza dissertativo-argumentativa, publicado numa coluna de opinião do jornal “O Estado de São Paulo”.
( ) Como estratégia discursiva, o texto foi redigido na terceira pessoa do discurso, a fim de garantir mais objetividade e menos pessoalidade aos fatos e opiniões selecionados para compor esse excerto.
A sequência está correta em
Como escrever bem
É possível melhorar o texto de alguém? William Zinsser acha que sim. No meio da década de 1970, ele decidiu transformar seu curso sobre escrita, emYale, em livro. Desde 1976, “Como escrever bem” influencia muita gente (On Writing Well. São Paulo: editora Fósforo, 2021. Tradução de Bernardo Ajzenberg).
O livro é claro e direto, sendo um exemplo em si das normas que ele debate. Um candidato a autor deve, ele diz logo à partida, evitar o excesso. Superar o defeito de muitas palavras! Cortar, eliminar a abundância desnecessária. Se o conselho já é bom para quem cultiva jornalismo nos EUA, imagine-se no Brasil, onde a tradição bacharelesca associou rebuscamento à erudição e à inteligência. O autor identifica, inclusive, expressões longas. Você imaginou a frase “perdeu totalmente a habilidade para” e seria melhor “não conseguiu”. Uma verdadeira “navalha de Ockam” da escrita: se há duas frases, a mais direta e simples é a melhor. Escrever é cortar.
Alguns conselhos são gramaticais: advérbios e adjetivos são, com frequência, dispensáveis. Os parágrafos devem ser curtos. Há diretrizes mais metodológicas: reescrever é aperfeiçoar a escrita. Todo escrito apresenta algum problema com o começo; aceite o entrave dos princípios. Outras são digressões sobre subjetividade e pessoalidade de um texto. Há muitas indicações preciosas que me fizeram pensar e repensar o ato de escrever.
O bom do livro é que apresenta capítulos específicos para entrevistas, depoimentos, histórias de família. Em alta nos EUA e ainda engatinhando por aqui, existem as histórias familiares. Ele oferece muitas indicações para quem se aventura nesse campo.
Não quero acrescentar mais indicações a tantas do livro de Zinsser. Volto ao tripé que já escrevi nas crônicas: a) estude gramática formal, inclusive para abandoná-la de quando em vez; b) leia muito; c) encontre sua voz escrevendo e corrigindo bastante. Nem o livro do norte-americano nem esta sabedoria curta tripartite vão garantir que surja uma Clarice Lispector em cada lar, mas, com certeza, todos nós poderemos escrever melhor. Nada garantirá um talento literário, mas tudo o que você puder fazer, seguindo bons textos, pode melhorar seu desempenho na escrita.
Encerro com um trecho lapidar do nosso autor: “Uma frase clara não é acidental. Poucas frases surgem prontas logo de cara, ou mesmo depois de duas ou três vezes. Lembre-se disso nos momentos de desespero. Se você acha difícil escrever, é porque é mesmo difícil”. Nunca perca a esperança de melhorar.
(Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,como-escrever-bem,70004121858. Leandro Karnal. O Estado de São Paulo. Publicado em: 27/07/2022.)
A viagem dos elefantes
Hoje quero falar sobre elefantes. Sei que a morte epidêmica cobre o mundo de sombras, sei que há desmandos, arbítrio, horror, que tudo isso merece nossa máxima atenção, mas peço licença para falar sobre elefantes. Não do elefante em sua carnadura genérica, não da nossa incerta ideia de elefante, isso não. O que cativa no momento minha concentração são elefantes específicos, quinze indivíduos-elefantes que fugiram de sua reserva natural e agora vagueiam por populosas províncias chinesas causando pasmo e sobressalto. Vagueiam há mais de um ano sem rumo e sem razão, até onde sabemos, mas é certo que nunca bem compreendemos a razão dos elefantes. “Entre falar e calar, um elefante sempre preferirá o silêncio”, já previu Saramago.
A notícia poderia se confundir com um desses acontecimentos frívolos que insistem em atravessar nossos graves e sérios, uma dessas histórias insólitas que nos distraem e nos alienam − e, sim, é bem capaz que não passe disso. Mas se destilo aqui algumas frases a respeito, é por achar que podemos sorver mais, que nesse caso pode haver algo de delicado e surpreendente a nos nutrir. Ou então por guardar a convicção, na esteira do grande crítico Auerbach, de que “qualquer acontecimento, se for possível exprimi-lo limpo e integralmente, interpretaria por inteiro a si próprio e aos seres humanos que dele participassem”, sendo esse um dos fins últimos da literatura. Aí está, na falta da razão dos elefantes encontrei a minha: escrevo sobre eles porque talvez possam dizer algo sobre nós, sobre nossa vontade de fugir, nossa ânsia por liberdade, dispersão, desterro.
Menos que fugir, esses elefantes exploram novos mundos, aventuram-se em novos territórios. São capazes de pisar o desconhecido sem achar que tudo sabem de partida, que não haverá nada para ver na próxima pradaria, nada que não resulte temível ou doentio. O mundo é ainda franco e aberto aos elefantes, o mundo é para eles o que talvez tenha chegado a ser para nós, em dia longínquo, prenhe de futuro. Têm ainda uma chance os elefantes, é isso o que descubro, é isso o que invejo ao vê-los vagar, entendendo enfim meu interesse excessivo.
(Adaptado de: FUKS, Julián. Lembremos do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 103-106, passim)
Atenção: Para responder à questão, leia a crônica “Tatu”, de Carlos Drummond de Andrade.
O luar continua sendo uma graça da vida, mesmo depois que o pé do homem pisou e trocou em miúdos a Lua, mas o tatu pensa de outra maneira. Não que ele seja insensível aos amavios do plenilúnio; é sensível, e muito. Não lhe deixam, porém, curtir em paz a claridade noturna, de que, aliás, necessita para suas expedições de objetivo alimentar. Por que me caçam em noites de lua cheia, quando saio precisamente para caçar? Como prover a minha subsistência, se de dia é aquela competição desvairada entre bichos, como entre homens, e de noite não me dão folga?
Isso aí, suponho, é matutado pelo tatu, e se não escapa do interior das placas de sua couraça, em termos de português, é porque o tatu ignora sabiamente os idiomas humanos, sem exceção, além de não acreditar em audiência civilizada para seus queixumes. A armadura dos bípedes é ainda mais invulnerável que a dele, e não há sensibilidade para a dor ou a problemática do tatu.
Meu amigo andou pelas encostas do Corcovado, em noite de prata lunal, e conseguiu, por artimanhas só dele sabidas, capturar vivo um tatu distraído. É, distraído. Do contrário não o pegaria. Estava imóvel, estático, fruindo o banho de luz na folhagem, essa outra cor que as cores assumem debaixo da poeira argentina da Lua. Esquecido das formigas, que lhe cumpria pesquisar e atacar, como quem diz, diante de um motivo de prazer: “Daqui a pouco eu vou trabalhar; só um minuto mais, alegria da vida”, quedou-se à mercê de inimigos maiores. Sem pressentir que o mais temível deles andava por perto, em horas impróprias à deambulação de um professor universitário.
− Mas que diabo você foi fazer naqueles matos, de madrugada?
− Nada. Estava sem sono, e gosto de andar a esmo, quando todos roncam.
Sem sono e sem propósito de agredir o reino animal, pois é de feitio manso, mas o velho instinto cavernal acordou nele, ao sentir qualquer coisa a certa distância, parecida com a forma de um bicho. Achou logo um cipó bem forte, pedindo para ser usado na caça; e jamais tendo feito um laço de caçador, soube improvisá-lo com perícia de muitos milhares de anos (o que a universidade esconde, nas profundas camadas do ser, e só permite que venha aflorar em noite de lua cheia!).
Aproximou-se sutil, laçou de jeito o animal desprevenido. O coitado nem teve tempo de cravar as garras no laçador. Quando agiu, já este, num pulo, desviara o corpo. Outra volta no laço. E outra. Era fácil para o tatu arrebentar o cipó com a força que a natureza depositou em suas extremidades. Mas esse devia ser um tatu meio parvo, e se embaraçou em movimentos frustrados. Ou o sereno narrador mentiu, sei lá. Talvez o tenha comprado numa dessas casas de suplício que há por aí, para negócio de animais. Talvez na rua, a um vendedor de ocasião, quando tudo se vende, desde o mico à alma, se o PM não ronda perto.
Não importa. O caso é que meu amigo tem em sua casa um tatu que não se acomodou ao palmo de terra nos fundos da casa e tratou de abrigar longa escavação que o conduziu a uma pedreira, e lá faz greve de fome. De lá não sai, de lá ninguém o tira. A noite perdeu para ele seu encanto luminoso. A ideia de levá-lo para o zoológico, aventada pela mulher do caçador, não frutificou. Melhor reconduzi-lo a seu hábitat, mas o tatu se revela profundamente contrário a qualquer negociação com o bicho humano, que pensa em apelar para os bombeiros a fim de demolir o metrô tão rapidamente feito, ao contrário do nosso, urbano, e salvar o infeliz. O tatu tem razões de sobra para não confiar no homem e no luar do Corcovado.
Não é fábula. Eu compreendo o tatu.
RADAR: Esse aparelho, que baseia seu funcionamento na reflexão de ondas hertzianas, toma seu nome das iniciais das palavras inglesas radio detection and ranging, equivalentes a “detecção e localização por rádio”.
Esse segmento textual deve ser classificado como: