UM ARTISTA DA FOME (fragmento)
Nas últimas o interesse pelos artistas da fome
diminuiu bastante. Se antes compensava promover, por
conta própria, grandes apresentações desse gênero, hoje
isso é completamente impossível. Os tempos eram outros. Antigamente toda a cidade se ocupava com os
artistas da fome; a participação aumentava a cada dia de
jejum; todo mundo queria ver o jejuador no mínimo uma
vez por dia; nos últimos, havia espectadores que ficavam
sentados dias inteiros diante da pequena jaula; também à
noite se faziam visitas cujo efeito era intensificado pela
luz de tochas; nos dias de bom tempo a jaula era levada
ao ar livre e o artista mostrado especialmente às
crianças. Embora para os adultos ele não passasse de
um divertimento, no qual tomavam parte por causa da
moda, as crianças olhavam com assombro, de boca
aberta, uma segurando a mão da outra por insegurança,
aquele homem pálido, de malha escura, as costelas
extremamente salientes, que desdenhava até uma
cadeira para ficar sentado sobre a palha espalhada no
chão: ora ele acenava polidamente com a cabeça, ora
respondia com um sorriso forçado às perguntas,
esticando o braço pelas grades para que apalpassem sua
magreza e mergulhando outra vez dentro de si mesmo,
sem se importar com ninguém, nem mesmo com a batida
do relógio — tão importante para ele e a única peça que
decorava a jaula —, mas fitando o vazio com os olhos
semicerrados e bebericando de vez em quando água de
um copo minúsculo para umedecer os lábios.
[...]
— Franz Kafka, no livro “Essencial”. tradução Modesto Carone. São
Paulo: Companhia das Letras, 2011