Leia a crônica a seguir e responda:
As piscinas
Passei uma infância cercada de plantas, bichos e amigos. Nada nos faltava. Até mesmo uma pedreira
rodeada por eucaliptos fazia parte de minha meninice. Criada no meio de homens, aprendi a andar de carrinho
de rolimã, descer de uma roldana presa a uma corda, que ia de uma árvore a outra, pegar sapo no brejo e coisas
do tipo. Tudo era perfeito. A única coisa de que eu, meus três irmãos, primos e amigos sentíamos falta era um
local para nos refrescar nos dias de calor, e, desde pequenos, ouvíamos a promessa de nosso pai em nos
presentear com uma piscina. A primeira “piscina” que ele nos deu foi um velho tanque de cimento, ex-qualquer coisa, que, além de
fundíssimo e perigosíssimo, vivia sujo. Acabou virando horta. A segunda “piscina” foi um tanque quadrado de mais ou menos 80 cm de profundidade, também de cimento.
Tinha até escorregador. Mas, no final, acabou virando a casa da Florípedes, nossa cobra-cipó. Depois, antes de
ser destruída, transformou-se no local ideal para minha criação de sapos e rãs. Nunca fui chegada a cobras, mas a Florípedes era diferente: verde, mansa e sem veneno, andava enrolada
no braço de meus irmãos pra cima e pra baixo. Até que um dia apareceu em nossa casa um filhote de cobracoral. Não sei por que cargas d’água, no lugar de darmos um sumiço na bichinha, a colocamos no tanque junto
a Florípedes. Tragédia! Em questão de minutos, Florípedes começou a comer a outra, sob nosso olhar atônito e total impotência.
Petrificada, confesso que nenhuma cena me chocou mais do que essa, e nunca mais quis saber de nossa cobracipó. Nosso sonho só foi se concretizar no final da década de 70, quando finalmente pudemos estrear nossa
primeira piscina de verdade, motivo de muitas alegrias, mas também de tristezas, como no dia em que
deparamos com nosso pastor-alemão boiando em suas águas. Certa vez, minha mãe, olhando da varanda, percebeu um estranho movimento no gramado. Intrigada,
chamou meu pai, que também nos chamou. Tal foi nosso susto ao ver oito vacas, surgidas Deus sabe de onde,
espalhadas no jardim comendo lírios e petúnias, e, como se o insólito da cena não bastasse, outra se “refrescava”
dentro da piscina. Tirá-la de lá foi uma luta, sendo necessária a ajuda do Corpo de Bombeiros. À noite, uma tia nos telefonou querendo saber da vaca: “Mas como você soube disso?”, perguntou minha
mãe. E ela: “Pela rádio Itatiaia!” Gostaria que minhas filhas tivessem tido a oportunidade de viver aquilo que vivi: banhos de lama e
mangueira, tanques de cimento, buracos pavimentados, caixas-d’água e outros tantos que chamávamos de
piscina. Cada qual com sua história... seu destino... usufruídos até o último momento. Nadávamos de dia e também à noite, muitas vezes de madrugada, escondidos de nossos pais. Nadávamos
na chuva, no frio e no calor, desfrutando cada instante daquele momento de prazer. Hoje, ao ver os jovens e as crianças pendurados o dia inteiro nos computadores e celulares, me assusto.
Para eles, “navegar” na internet tornou-se bem mais atraente que nadar. Enfim, outros tempos, novos desejos.
(MEDIOLI, L. As piscinas.
O Tempo, 10 out. 2020. Disponível em:
https://www.otempo.com.br/opiniao/laura-medioli/as-piscinas-1.2397076. Acesso em: 23 out. 2020).
Segundo o texto: