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TEXTO
FISCALIZAÇÃO DE BARRAGENS: ÓRGÃO FEDERAL DE CONTROLE É O 2º MAIS EXPOSTO A
FRAUDES E CORRUPÇÃO, DIZ TCU
Segundo o TCU, a Agência Nacional de Mineração, responsável por garantir a segurança das barragens do Brasil,
não tem mecanismos de controle para evitar conflitos de interesse, nepotismo, fraudes e corrupção.
Nathalia Passarinho, da BBC News Brasil em Londres. 13 fevereiro 2019
A Agência Nacional de Mineração (ANM), instituição responsável por fiscalizar mineradoras e garantir a
segurança de barragens, como a que rompeu em Brumadinho (MG), é o segundo órgão federal mais exposto à fraude e
à corrupção no país. A conclusão é de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), concluída no final do ano
passado. Para a pesquisa, auditores do TCU analisaram a existência de mecanismos internos de prevenção e combate a
irregularidades em quase 300 órgãos federais.
Foram verificados, por exemplo, os modelos de nomeação para diretorias, transparência de dados, existência ou
não de mecanismos para evitar conflitos de interesses e capacidade de fazer auditorias internas. O resultado foi uma
espécie de ranking dos órgãos mais propensos a serem cooptados por interesses, levando em conta, também, os poderes
econômicos e de regulação de cada um deles. A Agência Nacional de Mineração (ANM), pelo seu alto poder de
regulação e os poucos mecanismos de combate a irregularidades que possui, só aparece atrás da Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT) em risco de se envolver em fraudes e corrupção.
[...]
Cabe à ANM, subordinada ao Ministério de Minas e Energia, planejar e fiscalizar todas as atividades de
exploração mineral. Para isso, deve fazer auditorias próprias em barragens e analisar laudos de estabilidade apresentados
pelas mineradoras, como o que atestou a segurança da barragem da Vale em Brumadinho (MG) no final do ano passado.
Mas por falta de pessoal, a ANM acaba dependendo fortemente de inspeções encomendadas e pagas pelas próprias
mineradoras.
A estrutura de armazenamento de rejeitos que se rompeu matando ao menos 165 pessoas e deixando 155
desaparecidas estava classificada nos registros da ANM como "de baixo risco de rompimento" e "alto potencial de
danos"
"Quando você tem um órgão com estrutura tão precária e vulnerável à corrupção, uma consequência é que as
atividades finalísticas (no caso, a fiscalização de barragens) ficam prejudicadas em quantidade, qualidade e
confiabilidade", disse à BBC News Brasil o secretário de Infraestrutura Hídrica e Mineração do TCU, Uriel de Almeida
Papa.
[...]
Em 2016, após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), uma fiscalização do tribunal verificou
"graves falhas" nos procedimentos de fiscalização da agência, além de falta de funcionários especializados, de
treinamento e de orçamento para viabilizar vistorias.
Desde então, segundo Papa, a agência melhorou mecanismos de coleta e digitalização de informações sobre
barragens.
No entanto, possui atualmente menos funcionários que há três anos - não há concurso desde 2009 - e continua a
depender de laudos de estabilidade feitos por empresas contratadas pelas próprias mineradoras interessadas em ter
barragens e minas em atividade.
Mas, além da estrutura precária, o que faz da ANM um órgão propenso a se envolver em fraudes e corrupção?
Critérios do estudo
O TCU avaliou o funcionamento de 287 instituições ligadas de alguma forma ao Poder Executivo Federal, como
Banco do Brasil, Petrobras, Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel).
Para determinar o risco de exposição a irregularidades, os auditores consideraram um modelo acadêmico
chamado Triângulo da Fraude de Donald Cressey, usado em estudos do Banco Mundial e da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Esse modelo estabelece que algumas condições estão sempre presentes em casos de fraude e corrupção - como
oportunidade e motivação. Uma instituição com sistema deficiente de prevenção, identificação e punição de
irregularidades seria mais vulnerável à corrupção.
[...]
Para calcular essa predisposição dos órgãos federais, o TCU analisou cinco fatores: designação de dirigentes;
gestão de riscos e controles internos; gestão da ética e existência de programa de integridade; procedimentos de auditoria
interna; e práticas de transparência e accountability [prestação de contas].
"Quanto menor o grau de robustez dos controles, maior será a fragilidade da instituição no enfrentamento da
fraude e da corrupção", diz o estudo do TCU.
Além disso, os auditores consideraram poder econômico, calculado por orçamento, e poder de regulação, para
posicionar cada órgão.
A ideia é que quanto maior o poder econômico e a prerrogativa de regular de uma instituição, maior a sua
exposição a fraudes e corrupção, devido aos interesses econômicos nos setores regulados. Esses órgãos precisariam
adotar mecanismos mais robustos de controle, já que são particularmente visados por empresas interessadas em manter
e incrementar suas atividades.
A ANM não possui um orçamento robusto, mas tem poder sobre a atividade de mineradoras em todo o país,
podendo, por exemplo, interromper a extração de minérios em determinadas regiões ou as operações em barragens, em
caso de riscos ou irregularidades.
E o setor de mineração tem peso econômico e político relevante no Brasil, que é o segundo maior exportador de
minério do mundo, atrás apenas da Austrália.
"É um setor que corresponde a 17% do nosso PIB e que faturou US$ 32 bilhões em 2017. Cerca de 30% da
nossa balança comercial advém da exportação de minérios. E conta com um órgão fiscalizador com estrutura muito
precária", ressalta Uriel Papa, secretário de Infraestrutura Hídrica e Mineração do TCU.
Ausência de controle interno contra corrupção
Um dos pontos considerados essenciais pelo TCU para evitar corrupção sistêmica num determinado órgão é a
existência de controles internos contra irregularidades.
[...]
Os auditores verificaram, no entanto, que a ANM não possui estrutura adequada para detectar desvios cometidos
por servidores e colaboradores. "Os critérios de avaliação de riscos institucionais e de fraude e corrupção não estão
definidos, e não há controles proativos de detecção de transações incomuns", diz o relatório.
A ANM também falha, de acordo com o TCU, nos procedimentos destinados a punir eventuais irregularidades.
Não há atribuições bem definidas para a atuação dos auditores internos da agência. E eles não têm autoridade,
segundo o TCU, para recomendar mudanças de procedimentos.
"Na ANM, o Regulamento da Auditoria Interna não contém vedação para que os auditores internos participem
em atividades que possam caracterizar cogestão, nem atribui à Auditoria Interna a competência para avaliar a eficácia e
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contribuir para a melhoria dos processos de controle relacionados ao risco de fraude e corrupção", diz o relatório do
TCU.
[...]
Falta de Código de Ética
Outro fator que chamou a atenção dos auditores do TCU é a ausência, na ANM, de um código de ética e conduta
próprio.
A agência reguladora adota o Código de Ética do Servidor Público, um decreto de 1994 que prevê normas
genéricas de comportamento pertinentes a todos os funcionários da administração pública.
Seria importante, conforme o TCU, haver normas específicas que abordem a forma como os servidores devem
se portar no relacionamento com as mineradoras.
"Não há ações específicas de promoção da ética na instituição, seja pela divulgação, ou mesmo por iniciativas
de conscientização sobre o Código de Ética, nem assinatura de termo de compromisso com regras éticas quando da posse
no cargo", diz ainda a auditoria.
O que esses resultados revelam?
A coordenadora da pesquisa, Renata Normando, auditora federal de controle externo do TCU, destacou que o
fato de ANM ter tido resultados ruins na auditoria não significa necessariamente que esteja envolvida em irregularidades.
"O estudo mostra que a ANM não tem controles dentro da própria instituição capazes de prevenir e detectar
casos de fraude e corrupção. Não significa que tem corrupção, mas sim que ela se expõe mais ao risco", afirmou.
Segundo ela, o objetivo da pesquisa do TCU é estimular que os órgãos analisados adotem melhorias nos
controles internos contra irregularidades. [...]
Mas, para Uriel Papa, a ausência de mecanismos de combate à corrupção, aliada à estrutura precária da ANM,
colocam em xeque a credibilidade do órgão.
"Quando consideramos todas essas questões, como confiar no resultado do trabalho de fiscalização feito pela
agência?", questiona.
Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47211131. Acesso em: 15/02/2019. (Adaptado)