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Q1826623 Português
    É o discurso que nos liberta e é o discurso que estabelece os limites da nossa liberdade e nos impulsiona a transgredir e transcender os limites — já estabelecidos ou ainda a ser estabelecidos no futuro. Discurso é aquilo que nos faz enquanto nós o fazemos. E é graças ao discurso, e seu ímpeto endêmico de espreitar além das fronteiras que ele estabelece para a sua própria liberdade, que nosso estar no mundo é um processo de vir a ser perpétuo — incessante e infinito: nosso vir a ser e o vir a ser do nosso “mundo da vida” — juntar-se, misturar-se, embora sem solidificar, estreita e inseparavelmente, entrançados e entrelaçados, e compartilhando nossos respectivos sucessos e infortúnios, ligados um ao outro para o melhor e para o pior, desde o momento de nossa concepção simultânea até que a morte nos separe.
    O que nós chamamos de “realidade”, quando entramos em um ânimofilosófico, ou “os fatos da questão” quando seguimos obedientemente as instâncias da doxa, é tecido de palavras. Nenhuma outra realidade nos é acessível: não acessamos o passado “como ele realmente aconteceu”, o qual Leopold von Ranke celebremente conclamou (instruiu) seus colegas historiadores do século XIX a recuperar. Comentando sobre a história de Juan Goytisolo a respeito de um velho, Milan Kundera salienta que a biografia — qualquer biografia que tente ser o que seu nome sugere — é, e não poderia deixar de ser, uma lógica artificial inventada, imposta retrospectivamente a uma sucessão incoerente de imagens, reunida pela memória de partículas e fragmentos. Ele conclui que, em total oposição às presunções do senso comum, o passado compartilha com o futuro a ruína incurável da irrealidade — esquivando-se/evadindo-se obstinadamente, como ambos o fazem, das redes tecidas de palavras movidas pela lógica. Não obstante, essa irrealidade é a única realidade a ser captada e possuída por nós, que “vivemos em discurso como o peixe na água”. 

Zygmunt Bauman e Riccardo Mazzeo. O elogio da
literatura. Zahar. Edição do Kindle (com adaptações).

Julgue o item que se segue, com relação a aspectos linguísticos do texto precedente.


A inserção de uma vírgula logo após a palavra “fronteiras” (terceiro período do primeiro parágrafo) manteria as relações sintáticas originais do período, embora alterasse seu sentido.

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Leia-se o fragmento textual:

"E é graças ao discurso, e seu ímpeto endêmico de espreitar além das fronteiras que ele estabelece para a sua própria liberdade, que nosso estar no mundo é um processo de vir a ser perpétuo."

Convém expor dois detalhes:

1) Note que o trecho "e seu ímpeto endêmico de espreitar além das fronteiras que ele estabelece para a sua própria liberdade" é um longo complemento nominal do substantivo "graças", este que sempre rege a preposição "a". A despeito disso, apenas o primeiro complemento (ao discurso) acha-se preposicionado. As vírgulas que isolam o referido trecho, a bem da verdade, deveriam ser dispensadas caso esse complemento fosse de extensão menor, visto que complementos nominais, em ordem canônica, direta, repelem-nas. O autor optou por colocá-las a fim de não embargar a leitura.

2) A inserção da vírgula mudaria o referente: como nos é apresentada a frase, a oração "que ele estabelece para a sua própria liberdade" refere às fronteiras; colocando a vírgula, o referente seria "discurso".

Errado.

o que após fronteiras passaria a ser relacionar com o termo discurso, alterando a relação sintática original do período.

Questão: A inserção de uma vírgula logo após a palavra “fronteiras” (terceiro período do primeiro parágrafo) manteria as relações sintáticas originais do período, embora alterasse seu sentido. (ERRADO)

  • Errado em dizer que manteria as relações sintáticas originais.
  • Certo em dizer que altera o sentindo.
  • Mantém também a correção gramatical.

Pessoal, peçam para o professor comentar essa questão, por favor. Obrigada.

"E é graças ao discurso, e seu ímpeto endêmico de espreitar além das fronteiras que ele estabelece para a sua própria liberdade[...]"

Aqui temos uma oração restritiva. Que fronteiras são essas? Não são todas, apenas as que ele estabelece para sua própria liberdade.

"E é graças ao discurso, e seu ímpeto endêmico de espreitar além das fronteiras, que ele estabelece para a sua própria liberdade[...]"

Com a vírgula vira oração explicativa. Agora não são apenas as fronteiras que ele estabeleceu, mas sim todas as fronteiras.

gab: certo

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