Sonetos e jabuticabas
Calma, que o Brasil é nosso. Não sei de onde vem esta expressão, que não ouço há tempos. À falta de quem a diga, digo-a
eu, sem que tenha a ver com a onda de privatização, quero dizer. Seu objetivo, como hoje se diz, é agilizar o Estado. A língua
vai sendo assim enriquecida de neologismos, ainda que nem sempre bem formados. Que também se enriqueça o povão.
Ou pelo menos lhe tirem a barriga da miséria. O meu tanto encabulado, a minha já tirei, no que se refere a um item da
velha pauta saudosista. Já disse que não gosto de saudosismo, nem de pigarro. São cacoetes de velho. Mas quando dei de cara
com o meu jabuticabal, mal contive o atropelo da emoção. Emoção que vem de longe, das saudosas jabuticabeiras. Tempo em
que havia o tempo das jabuticabas. Lá uma certa hora, de repente, aquele alvoroço.
Tem até a clássica história. Numa época em que quase ninguém viajava, sobretudo homem público, um bando de gente
partiu pra Europa. O mineirão não teve dúvida: devia ser tempo de jabuticaba por lá. A jabuticabeira até que avisa, florida qual
uma noiva. Boas águas, um belo dia, de supetão amanhece carregada. Distraído com temas de somenos, tipo eleição do Clinton,
neste fim de semana cheguei à serra e levei aquele susto. Apinhadinhas, as três.
A simples visão desperta, ou agiliza, a salivação. Água na boca, é só ir apanhando e chupando. No apetitoso automatismo
da gula, sem querer a gente passa da conta. Mas esse é um prazer de antes e de durante. Sobretudo durante. Depois seja o que
Deus quiser. Aquelas bagas sumarentas, luminosas. Lisas e docinhas. Trepar na árvore? Pode. Lá em Belo Horizonte você
comprava o pé, em Sabará ou Betim. E se mandava cedinho com a família. A meninada, desculpe, se entupia.
Se bobear, os passarinhos comem tudo. Os sabiás ainda agora estão de olho. Nada de pessimismo, gente. É tempo de
jabuticaba. Dá e sobra pra fazer geleia. Pode exportar até pra Casa Branca. Falar nisso, quem seria melhor pro Brasil – Bush ou
Clinton? Me lembrei do sujeito que levou dois sonetos ao jornal. Empistoladíssimo, exibiu o primeiro soneto.
– Publico o outro – decidiu o editor.
– Mas você ainda não leu o segundo – reclamou o poeta.
E o editor:
– Pior do que este, meu filho, não pode ser.
(RESENDE, Otto Lara. Bom dia para nascer. Brasil: Companhia das Letras, 2011.)