Palavras feias, bonitas, difíceis, ambíguas: qual é, língua portuguesa?
Tem gente que gosta de colecionar sapatos. Eu, particularmente, acho que ocupam muito espaço. Tem os que colecionam
moedas. Meio pesado e sujinho, não? Eu gosto de colecionar palavras, que são leves, limpinhas e dá para carregar no bloco de
notas do celular. Por exemplo, você já reparou que existem palavras feias e bonitas? Isso não tem a ver, necessariamente, com
o significado, a grafia ou a sonoridade delas. É simplesmente uma sensação pessoal. De todo modo, vou dar alguns exemplos,
quem sabe vocês concordam comigo. A ver: subalterno, sopapo, jocoso, gutural. Lombriga, embuste, mixórdia, pernóstico.
Catapulta, gororoba, hediondo, escroque. Apesar de interessantes, alguém discorda que são palavras de beleza duvidosa? Dentro do universo das palavras feias, ainda temos uma categoria especial. São as palavras feias com significados nojentos. Desculpa
aí: catarro (a gente já fala arranhando a garganta), sovaco (você não sente o cheiro?), furúnculo (pus?), verruga (berruga?).
A maternidade é uma das coisas mais lindas da vida, mas as palavras puerpério, regurgito e colostro não são fáceis. Aliás,
essa última é a palavra feia perfeita: significado esquisito, sonoridade desagradável e tem mais um diferencial. Se você reparar,
é esteticamente feio de pronunciar. Tenta comigo: co-loooss-tro. Dá até uma vergonhinha. E tem as palavras bonitas. A
magnânima saudade não nos deixa mentir. Nuvem, lágrima, infinito, azul, memória, magia, goiabada, alma, maio e luz só vêm
engrossar o coro das metidinhas. E tem as que são dúvidas, tipo: jaboticaba, galhofa, labirinto, bocejo, chafariz. Joanete também
me deixa balançada. Imbróglio, palíndromo e acabrunhado, independentemente da estética, têm uma vantagem em relação às
outras, dão uma coceirinha na ponta da língua.
Vocês me dão licença, mas eu vou fazer um parágrafo dedicado aos chamados “palavrões”. Palavras consideradas
obscenas, grosseiras ou pornográficas. Vocábulos que vivem à margem, coitados. Justiça seja feita, os palavrões nos exigem
bem mais do que as palavras difíceis. Eles têm que ser escalados na hora certa, empregados precisamente e para o público
adequado. Sob pena de falar mal de quem os fala. Se alguém conta uma fofoca de arrepiar, o que dá mais prazer em responder?
“É mesmo? Santo Deus!” ou “Sério? C.!”? Nota-se que, ao falarmos esse palavrão, a boca se abre como a de um leão mugindo.
Agradável, não? O lance do palavrão é que, na maioria das vezes, o seu significado se perdeu. Aquele show “do c.” nada tem a
ver com um órgão reprodutor masculino enrugado. Por exemplo, seu amigo foi demitido. O que é mais empático de dizer a ele?
“Puxa vida, que chato, hein?” ou “C., que b.!”? Palavrão gostoso se fala arrastado. Você acaba de descobrir que sua ex tá com
outro. O que te alivia mais? “Não tô nem aí. Que se dane” ou “Ah é? F-se.”? Você foi calçar o sapato e se deparou com um bicho
dentro dele. Sozinho, o que você diz? “Nossa, o que que é isso, minha gente?” ou “Que p. é essa, mano?”. Eu sei que começa
até a dar um mal-estar ouvir tantos palavrões. Ainda mais escritos. (...)
Agora vamos do baixo ao alto calão. Se você é advogado, pula essa parte porque para você vai ser mole. Se não é, vem
queimar a mufa aqui comigo. Tem palavras que foram feitas para nos sacanear. Elas são infrequentes, mas muito parecidas
com outras do nosso dia a dia. Bobeou, somos induzidos a erros, muitas vezes ridículos. Alguns exemplos para vocês. Fustigado:
cansadão? Não, pior. Maltratado. Alijado: deficiente? Não, afastado. Escrutínio: escrotinho? Exame minucioso. Arroubar: abrir
à força? Nope, extasiar. Capcioso: relativo a carpaccio? Não, ardiloso. Engodar: crescer a pança? Not, enganar. Ignóbil: ignorante
com imbecil? Quase. Infame, desprezível, baixo, vil, asqueroso, sórdido…
Em relação às palavras comprimento, cumprimento, tráfico, tráfego, descriminar, discriminar, infligir, infringir, deferir,
diferir não vou nem perder o meu tempo amaldiçoando o mau-caráter que as inventou. Confundir o significado das palavras
parece escabroso, mas tem sua poesia. É um perigo iminente (ou eminente?) usar palavras que não dominamos. Mas, em
relação ao uso delas, sou tanto impávida quanto pusilânime (Google: corajosa/medrosa). E, por pura adrenalina, uso todas e
ainda faço cara de letrada. Afinal, (...), me respeita que eu sou escritora.
(GARBATO, Bia. Palavras feias, bonitas, difíceis, ambíguas: qual é, língua portuguesa? Jovem Pan, 2022. Adaptado.)