Sobre o garantismo jurídico, analise as proposições abaixo: ...
Sobre o garantismo jurídico, analise as proposições abaixo:
I - O garantismo jurídico surge nos anos 1970, na Itália, restrito ao Direito Penal, como movimento em oposição à redução dos direitos e garantias penais e processuais penais, em reação a uma legislação de exceção implementada sob a justificativa do combate ao terrorismo.
II - Atualmente o garantismo jurídico é entendido de maneira mais ampla, sendo um modelo de Direito que subordina os poderes à garantia dos direitos, submetendo a sua atuação, em primeiro lugar, à efetivação dos direitos humanos e direitos fundamentais.
III - O garantismo jurídico pode ser entendido como sinônimo de Estado Constitucional de Direito, em oposição ao paradigma clássico de Estado Liberal, alargando-o em duas direções: de um lado, a todos os poderes públicos, não só submetendo o Judiciário, mas também o Legislativo e o Executivo; e, de outro lado, também aos poderes privados, incluindo nestes o poder econômico, impondo limites à liberdade de mercado.
IV - Nos dias de hoje é necessário estender o paradigma garantista aos novos poderes e instituições supraestatais, devido ao fato de que o constitucionalismo estatal é inadequado para enfrentar a crise da capacidade regulatória do Direito em relação a emergências planetárias, tais como: crise política e econômica; crise humanitária e social; crise ambiental; questão nuclear e questão criminal e corrupção dos poderes. No âmbito dos Estados Nacionais, o garantismo jurídico não encontra mais lugar, devido à necessidade de enfrentamento do terrorismo, da corrupção espraiada no poder político e da premência de crescimento econômico.
Assinale a alternativa CORRETA:
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Inicialmente, é válido mencionar que fora impulsionado pela obra do italiano citado na questão - Luigi Ferrajoli - já publicada em português (Direito e Razão – teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002).
O garantismo penal oferece sólidos elementos para um arcabouço de filosofia do Direito Penal e do Processo Penal. Partindo do modelo do Estado Constitucional de Direito, particularmente no que respeita à gestão das relações entre o Poder Público e o particular, Ferrajoli procura estabelecer limites mais ou menos objetivos para a contenção da nascente e crescente liberdade judiciária, do ponto de vista específico do Direito Penal e do Processo Penal.
(Pacelli, Eugênio Curso de processo penal / Eugênio Pacelli. – 21. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017)
Numa paráfrase de Ferrajoli, e aqui utilizo-me das palavras mais simples possíveis, o garantismo é uma espécie de conjunto de vínculos e de regras racionais impostos a todos os poderes na tutela dos direitos de todos. Representando, para o autor, "o único remédio para os poderes selvagens".
Na intenção de exemplificação, interessa comentar o Caso Norín Catrimán e Outros (Povo Indígena Mapuche) Vs. Chile, julgado em 29/05/2014 pela CIDH. Explico: Inicialmente, há importância pois um brasileiro, João Chaves (USP), foi um estudioso sobre o tema. O contexto é o de que diversos líderes mapuches e uma ativista foram condenados, em decorrência da Lei Antiterrorismo Chilena, por supostos atos terroristas cometidos entre os anos de 2001 e 2002, por incêndios e perigos de incêndio; em que pese não ter ocorrido mal específico e direcionado a ninguém. Assim, a CIDH decidiu que houve ofensa aos princípios da legalidade, da presunção de inocência e da igualdade, em decorrência do texto lacônico da lei aplicável, que não permite uma distinção precisa entre o tipo penal especial do terrorismo e os tipos penais comuns igualmente aplicáveis. Percebeu-se, pois, que a legislação fez nascer uma presunção de terrorismo quando a pessoa fizer uso de explosivos ou meios incendiários para cometer crimes. É esse ponto de vista mais áspero que o garantismo combate, dentro dessa temática que estamos conversando: chamar de terrorismo para justificar legislação de exceção, com maior rigor de punição.
Sendo assim, podemos observar as assertivas das questões e perceber que o item:
I. Certo. Traz a alma do garantismo. A parte histórica está perfeita e de fato, ocorre essa oposição à redução de garantias e direitos, conforme exposto acima.
II.Certo. Os direitos e garantias fundamentais servem de verdadeiro escudo social, seja vertical ou horizontalmente: seja entre particulares, seja para sujeitar o poder público à limitação da sua punição.
III. Certo. Iniciamos acima conversando sobre o garantismo sendo espelho do Estado Constitucional do Direito. A proteção sugerida vai além da liberdade, posto que esta traz riscos quando ilimitada. Núcleos de direitos precisam de proteção, e a sociedade clama pela segurança propiciada através desse ponto. Todos os poderes e a iniciativa privada encontram essa mesma limitação.
IV. Errado. O fato da intenção de se universalizar as ideias do garantismo, como podemos perceber no recorte de jurisprudência chilena acima, não retira a preocupação da efetividade na nossa pátria. Ter um alcance internacional é funcionar em outros Estados, mas também internamente. Diz-se, inclusive, o inverso do que este item previu, vez que iniciamos exatamente abordando a relação garantismo X terrorismo. Tais eventos expostos na assertivas são episódicos, e justificam - ainda mais - a observância de limitação no direito de punir, não havendo essa obstaculização geográfica e social sugerida pelo item.
Portanto, reconhecendo a gênese do garantismo e seu alcance, percebe-se que apenas a assertiva IV traz texto equivocado. A mesma obra, de Pacelli, resume: "(...) para a extensão da proteção dos direitos fundamentais contra a agressão, não só do Estado, mas de terceiros".
Resposta: ITEM A.
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I - CERTO : Em termos gerais, a Teoria do Garantismo Penal começa a ganhar seus primeiros contornos, em plena década de 70, na Itália, originando-se, de um movimento do uso alternativo do direito, propugnado por magistrados do grupo Magistratura Democrática. Com efeito, o Garantismo Penal surgiu, no âmbito da cultura jurídica italiana de esquerda na segunda metade dos anos setenta, como resposta teórica à legislação rígida e simbólica, traduzida pela redução multifocal do sistema de garantias processuais penais da época.
II - CERTO : A teoria do ‘garantismo penal’ sustenta a necessidade de que o Direito Penal, em sentido amplo, seja um instrumento de defesa não só social, não só dos interesses do autor do delito e da vítima, mas de defesa e limite das interferências do Poder Estatal na questão penal, através da sujeição às regras constitucionais asseguradoras dos direitos, garantias e liberdades individuais” (SELMA SANTANA)
III - CERTO : O modelo garantista se aproxima – e muito! – da formação moderna estatal denominada Estado de Direito. A seguinte assertiva esclarece: o terreno no qual se ergue o Estado de Direito é campo fértil para o florescimento do garantismo penal, é dizer, o objetivo fulcral pretendido pelo ideal garantista (tutela de valores e direitos fundamentais de absolutamente todos os indivíduos, ainda que em fraca minoria) resta equacionado pelos limites (formais e substanciais) impostos ao exercício do poder nos quadros do Estado de Direito
IV - CERTO : Por outro lado, a meu ver, uma concepção deste tipo de garantismo é extensível, como um paradigma da teoria geral do direito, a todo o campo dos direitos subjetivos, se estes herança ou fundamental, e todo o conjunto de poderes, públicos ou privadas, nacionais ou internacionais. Na verdade, todas as garantias têm em comum o fato de serem fornecidos com o conhecimento de que sua ausência poderia resultar na violação da lei que, em cada caso, é o seu objeto. Ou seja, um tipo de satisfação desconfiança ou respeito espontâneo pelos direitos humanos; e em particular no que respeita aos direitos fundamentais no exercício espontaneamente legítimo do poder. Neste sentido, "garantismo" se opõe a qualquer concepção de ambas as relações econômicas e políticas, tanto de direito privado e do direito público, fundada na ilusão de um "poder bom" ou, em qualquer caso, uma observância espontânea do direito e dos direitos " (FERRAJOLI)
V - ERRADO : Assertiva: Nos dias de hoje é necessário estender o paradigma garantista aos novos poderes e instituições supraestatais, devido ao fato de que o constitucionalismo estatal é inadequado para enfrentar a crise da capacidade regulatória do Direito em relação a emergências planetárias, tais como: crise política e econômica; crise humanitária e social; crise ambiental; questão nuclear e questão criminal e corrupção dos poderes. No âmbito dos Estados Nacionais, o garantismo jurídico não encontra mais lugar, devido à necessidade de enfrentamento do terrorismo, da corrupção espraiada no poder político e da premência de crescimento econômico.
O trecho justificando a assertiva IV, justifica essa também.
IV - INCORRETA: Apesar de Ferrajoli defender a integração na esfera internacional, não significa dizer que no âmbito nacional ele deixará de existir.
SOBRE O GARANTISTA DO DIREITO
Teoria garantista do direito, formulada por Luigi Ferrajoli, visa primeiramente, questionar os exercícios arbitrários de poder, bem como oferecer dispositivos jurídicos que garantam uma maior efetividade ao ordenamento jurídico. Inicia sua investigação, a partir do âmbito do direito penal para dar corpo posteriormente, a uma teoria geral do garantismo. O modelo garantista, como cita o jurista italiano Norberto Bobbio no prefácio da obra Direito e Razão (2002), “representa uma meta que permanece como tal, ainda que não seja alcançada e não possa jamais ser alcançada inteiramente. Mas, para constituir uma meta, o modelo deve ser definido em todos os aspectos. Somente se estiver bem definido poderá servir de critério de valoração e de correção do direito existente.".
Nesse sentido, Ferrajoli atribuí a partir do estudo de determinados axiomas garantistas, três significados à teoria. O primeiro, diz respeito a um modelo de direito, específico ao Estado de direito. O homem que antes era súdito torna-se cidadão. O Estado de direito contrapõe-se ao Estado Absoluto, nasce nas Constituições modernas e caracteriza-se no plano formal e substancial.
O plano formal, diz respeito à subordinação do poder público às leis que predeterminam apenas suas formas de exercício, próprio do princípio da mera legalidade. O plano substancial vai além, preordena e circunscreve a funcionalização dos poderes, à tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos, não mais protegendo os direitos, mas promovendo a realização dos mesmos, típico do princípio da estrita legalidade.
Outra diferenciação situa-se neste significado de garantismo. O Estado de direito liberal (mínimo) se encontra no plano formal, onde não há intervencionismo, as condições de vida dos cidadãos são somente protegidos. Já no Estado de direito social (máximo) precisa, além de proteger, melhorar as referidas condições. Garantista é todo sistema que se conforma com seu modelo e o satisfaz efetivamente.
CONTINUANDO...
O segundo significado de garantismo trata de uma teoria do direito que deve partir da distinção do vigor das normas, tanto da validade quanto da efetividade. Aproxima teoricamente a separação do “ser” e o “dever ser” no direito, apresenta-o como norma (normativismo) e como fato (realismo). Uma norma pode ser formalmente vigente e substancialmente inválida, se não estiver de acordo com o plano substancial, portanto, “direito vigente” não é sinônimo de “direito válido”.
A discussão central é a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos que tendem ao garantismo, são válidas, mas ineficazes. As práticas operacionais são tendentemente antigarantistas, como os modelos totalitários, as normas são inválidas, porém efetivas.
Analisa também, o juspositivismo dogmático. Postulados de Bentham até Kelsen citam que há obrigação jurídica por parte juiz, a aplicação de leis vigentes, mas quando essas forem suspeitas de invalidade, essa obrigação desaparece. A invalidade pode ser declarada a qualquer instante, tornando a validade relativa. Permite a teoria jurídica, “a crítica e a perda da legitimação desde o interior das normas vigentes inválidas” (FERRAJOLI, 2002).
Por fim, o terceiro significado se constituí em uma filosofia política que impõe a justificação externa por parte do Estado, por meio do direito. É uma teoria heteropoiética do direito, separado da moral, de filosofias políticas utilitaristas, fundadas desde o Iluminismo, iniciado a partir do jusnaturalismo laico e racionalista. A finalidade é a própria tutela, a garantia. Tanto o garantismo como a democracia são idealizados como modelos normativos imperfeitos e por isso podem ser usados tanto como parâmetro de legitimação quanto de perda da legitimação política, são as chamadas fontes de legitimação “de baixo”. Isso, por não proverem das fontes do “alto”, perfeitas, identificáveis nos regimes absolutistas, onde a fonte de poder se limitava a entidade religiosa, hierarquicamente superior.
A partir da criação desses significados, Ferrajoli põe a prova o que Bobbio citava anteriormente. O modelo normativo de Estado de direito, a teoria e a filosofia política do direito não são conceitos segregados, mas justificam-se. É notável a evolução em relação às garantias de direitos fundamentais, o garantismo, mesmo imperfeito, deve buscar a efetividade de sua acepção para que possa de fato, servir de critério valorativo em todos os âmbitos do ordenamento jurídico.
A II também está certa. Essa é a excência do Garantismo.
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