Texto II para responder à questão.
A vida é um eterno amanhã
As traduções são muito mais complexas do que se imagina.
Não me refiro a locuções, expressões idiomáticas, palavras de
gíria, flexões verbais, declinações e coisas assim. Isto dá para ser
resolvido de uma maneira ou de outra, se bem que, muitas
vezes, à custa de intenso sofrimento por parte do tradutor. Refiro-me à impossibilidade de encontrar equivalências entre
palavras aparentemente sinônimas, unívocas e univalentes.
Por exemplo, um alemão que saiba português responderá sem
hesitação que apalavra portuguesa “amanhã” quer dizer “morgen”.
Mas coitado do alemão que vá para o Brasil acreditando que,
quando um brasileiro diz “amanhã”, está realmente querendo dizer “morgen”. Raramente está. “Amanhã” é uma palavra riquíssima e tenho certeza de que,se o Grande Duden fosse
brasileiro, pelo menos um volume teria de ser dedicado a ela
e outras, que partilham da mesma condição.
“Amanhã” significa, entre outras coisas, “nunca”, “talvez”,
“vou pensar”, “vou desaparecer”, “procure outro”, “não quero”,
“no próximo ano”, “assim que eu precisar”, “um dia destes”,
“vamos mudar de assunto”, etc. e, em casos excepcionalíssimos,
“amanhã” mesmo. Qualquer estrangeiro que tenha vivido no
Brasil sabe que são necessários vários anos de treinamento para
distinguir qual o sentido pretendido pelo interlocutor brasileiro,
quando ele responde, com a habitual cordialidade nonchalante,
que fará tal ou qual coisa amanhã. O caso dos alemães é, seguramente, o mais grave. Não disponho de estatísticas confiáveis,
mas tenho certeza de que nove em cada dez alemães que procuram ajuda médica no Brasil o fazem por causa de “amanhãs”
casuais que os levam, no mínimo, a um colapso nervoso, para
grande espanto de seus amigos brasileiros – esses alemães são
uns loucos, é o que qualquer um dirá.
(João Ubaldo Ribeiro. Disponível em: https://www.academia.org.br/
academicos/joao-ubaldo-ribeiro/textos-escolhidos. Fragmento.)