Texto para responder à questão.
A produção de si como mercadoria nas redes sociais
Estudar a história do trabalho, das indústrias e das
corporações nos ajudaria a entender a história do poder
econômico e, por conseguinte, a história de nossas vidas
submetidas àqueles que controlam a possibilidade de nossa
sobrevivência.
As formas de organização da produção industrial a que
se deu o nome de fordismo, taylorismo e toyotismo,
definiram não apenas o modo de fazer, mas o modo de ser
da vida em geral submetida ao controle pela produção.
Aqueles modos de organização sempre visaram baixar custos
enquanto promoviam altos índices de produtividade. Todos,
certamente, sempre se preocuparam pouco com as pessoas
que trabalhavam nas fábricas ou nas empresas. Eram
sistemas bastante frustrantes para pessoas que não
queriam ser tratadas como robôs.
No taylorismo e no fordismo, as pessoas faziam uma
única atividade no processo produtivo, eram remuneradas
por produtividade e individualmente. A superprodução
levava a estoques gigantes e lucros enormes. Foi Ford que
acrescentou a esteira rolante que economizava tempo
dentro da fábrica para incrementar o processo de produção
em grande escala. Tempos modernos de Chaplin fez a sátira
disso tudo.
O toyotismo, que surgiu na fábrica do carro japonês,
tem algumas diferenças: o trabalho antes individual, agora
é em equipe. Uma pessoa não tem mais uma única
atividade repetitiva, ela deve saber fazer tudo. Deve-se
evitar todo tipo de desperdício. Retira-se o estoque e se
entrega às demandas. Em épocas de crise se produz
conforme o consumo.
Em qualquer desses casos, as pessoas sempre são bens
bastante descartáveis. Um produtor vale tanto quanto sua
produtividade. Ou menos do que ela, já que pode ser
substituído. Não há nenhuma novidade nisso. Só não se
submete a isso quem, em vez de ser operário comandado
por meios de produção, é o dono dos meios de produção.
Essa lógica das fábricas é espelho da lógica da vida e atinge
todas as instituições.
A produção de coisas, sejam carros ou telefones
celulares, panelas ou cosméticos, depende de operadores
de produção, ora humanos, ora robôs.
Do mesmo modo quando se trata de “meios de
produção da linguagem”. Pensemos no conteúdo da
internet, lotada de produção de material comunicacional
ou anticomunicacional por pessoas que participam do meio
apenas porque desejam. Mas será que é desejo mesmo o
que nos faz participar de redes sociais?
Coloco essas questões porque gostaria de pensar no
tipo de trabalho que temos nasredes sociais. É inegável que
as redes sociais oferecem algum tipo de diversão às
pessoas, então, parece que não estamos trabalhando.
Trata-se, nesse caso, de uma indústria do entretenimento.
E é evidente que elas também se oferecem como meios de
comunicação.
Mas é a dimensão do trabalho que me interessa
entender. Quanto tempo gastamos diariamente nesses
meios? O que somos obrigados a fazer para sobreviver
neles? Somos submetidos aos parâmetros taylor-fordistas
nas redes sociais? Ou aos toyotistas? Que esforços, que
tensões enfrentamos quando deles queremos participar?
Podemos viver fora deles sem culpa? Há espertos que se
aproveitam dele para jogos de poder? Há pessoas neles
capazes de cometer violência? Para que são usadas as
redes? Qual o papel da comunicação violenta nas redes?
Há pessoas que trabalham para as redes e são
remuneradas por seu trabalho. Há mercado negro nas
redes, há trabalho ilegal e dinheiro sujo, há milícias
midiáticas ocupadas em enganar, mentir, destruir
reputações, há pessoas cometendo crimes, aliciando
pessoas mentalmente precárias, roubando e assaltando
virtualmente. Não estou mencionando esses aspectos para
dizer que as redes são más, não é isso. Temos que entender
que as redes são “medialidades”, são meios sobre os quais
fazemos escolhas. Meios que nós movimentamos? Ou eles
nos movimentam? Dançamos conforme a música nas
redes? [...]
O tempo, a privacidade, a vida íntima, familiar, o que
estiver a mão, é transformado em mercadoria. É o triunfo
da lógica da mercadoria.
Há ainda o aspecto da produção da subjetividade por
meio da transformação da subjetividade em mercadoria.
Um dos pontos altos dessa produção passa pela imagem de
si nas redes, imagens como selfies, imagens como
paisagens, imagens como frases feitas e formulações
instantâneas com alto teor de impacto ou “lacrações”.
Em termos simples, cada um está produzindo e
vendendo a si mesmo. Ao mesmo tempo, em não sendo
dono dos meios de produção de si, cada um se produz a
partir de uma fórmula pronta dada pelo funcionamento do
aparelho. Cada um é uma espécie de “consumidor
consumido”, para lembrar Vilém Flusser.
(Marcia Tiburi. Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/producao-de-si-mercadoriaredes-sociais/. Acesso em: 08/05/2019. Adaptado.)