Questões de Concurso Público Prefeitura de Teutônia - RS 2023 para Médico de Família e Comunidade

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Q2273877 Português
TEXTO


       Para compreender a questão da grilagem, é necessário conhecer as formas históricas de distribuição e aquisição de terras no Brasil. No período colonial, a divisão do território em sesmarias (imensos lotes de terras virgens distribuídos em nome do rei de Portugal para agricultura) criou problemas que estão na origem da questão fundiária atual.
       Um primeiro problema surge da dificuldade em se mapear um território tão extenso. Além disso, amplas áreas não eram utilizadas do ponto de vista produtivo. Outro problema vem da escassez de população, que limitava a ocupação do território e a disponibilidade de força de trabalho no campo. Estima-se que, até 1700, a população brasileira era de apenas 300 mil habitantes, em boa medida concentrados no litoral nordestino e nas regiões mineradoras, segundo aponta Celso Furtado em seu livro Formação Econômica Brasileira.
       Por fim, somam-se a essas questões limitações políticas de domínio territorial, já que muitas regiões, principalmente no interior do país, não eram administradas na prática pela coroa portuguesa ou eram regiões em disputa com outros países. [...]
       Com a independência do país em 1822 e a revogação do regime das sesmarias, instaurou-se um vazio jurídico que reforçou a ocupação espontânea. O território em construção e seus confins alimentavam os mais diversos anseios de apropriação e exploração, tanto para os atores mais vulneráveis do campo (camponeses, indígenas, caboclos, escravos libertos) quanto para os mais providos. [...]
       A Lei de Terras, de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas no Império, passa a ser um marco na regulação fundiária nacional ao estipular que o acesso à terra não mais se daria pela mera ocupação, e sim por meio da sua compra. Ao instituir a propriedade privada e o mercado de terras, a Lei de Terras estabeleceu, ao mesmo tempo, a definição de terra pública. Assim, todos os possuidores (sesmeiros e posseiros) tinham um prazo estabelecido para registrarem suas terras, sob pena de estas caírem em comisso, isto é, de voltarem ao domínio público e serem consideradas, portanto, terras devolutas. [...]
       Ela é, ainda, interpretada como um texto conservador, cuja preocupação foi garantir a permanência de oferta de mão de obra barata ao setor agropecuário e consolidar as elites agrárias num momento em que o fim da escravatura estava se desenhando. De fato, ela exclui do mercado fundiário todos aqueles que não possuem recursos para adquirir terra. [...]
       Esse processo consolidou dois perfis que ajudam a compreender a complexidade da posse de terras. O primeiro perfil remete a campesinos que, ainda que não possuíssem o título da terra, moravam e produziam nos locais já ocupados. São os chamados posseiros. A Lei de Terras garantiu a sua permanência como ocupantes legítimos; porém, novas ocupações não poderiam se dar da mesma forma. Daí em diante, as terras teriam que ser compradas do Estado. O outro perfil é o de grupos que também ocupavam as terras de maneira irregular, mas falsificavam documentos de concessão das antigas sesmarias ou documentos de transmissão de posse como forma de serem reconhecidos como os verdadeiros donos da terra. Esses são os chamados grileiros. [...]
       Por tudo isso, é possível concluir que a Lei de Terras de 1850, longe de contribuir para discriminar as terras públicas das privadas, serviu, em grande medida, como mecanismo para incorporação ilegal de terras públicas e consolidação de áreas griladas.
       A partir de então, a grilagem se consolidou como uma prática lucrativa de controle da terra. À medida que a ocupação do território se intensificou, conflitos se multiplicaram entre posseiros, grileiros e proprietários. O progressivo adensamento da estrutura fundiária nas áreas de agricultura consolidada contribui no avanço e na busca por novas terras nas áreas ainda pouco cobiçadas, com baixa ocupação populacional.
       É nas áreas de fronteira agrícola, onde o mercado fundiário é ainda balbuciante e a delimitação das propriedades muito imprecisa, que a grilagem se expressa com maior força e continua liderando, como no passado, a apropriação de terras. Nelas, o Estado não consegue conter a grilagem, por não ter um registro cartográfico completo das terras públicas, nem cadastro da delimitação precisa das propriedades privadas. [...]
       As fronteiras agrícolas do Cerrado e da Amazônia, por exemplo, são notoriamente marcadas por grilagem e conflitos fundiários, onde é comum ver uma mesma terra sendo reivindicada por duas, três ou quatro pessoas distintas. Não por coincidência, as fronteiras agrícolas das últimas décadas se destacam pelo grande tamanho dos estabelecimentos agrícolas e por concentrar muita terra em poucas mãos.
       Por essas características e pela incapacidade do poder público em regulá-la, a grilagem tornou-se, também, um dos motores da concentração fundiária no país. [...]
       Existem muitos mecanismos jurídicos de execução da grilagem. A origem do termo é ligada ao uso de grilos trancados em uma caixa com documentos forjados, a fim de envelhecer artificialmente o documento para parecer mais legítimo. Hoje, porém, os protocolos de falsificação de documentos se sofisticaram, inclusive com o uso de técnicas digitais, e são facilitados pela própria legislação agrária e ambiental.
       Os cartórios são a espinha dorsal do sistema, já que aceitam abrir matrículas com uma documentação incompleta ou suspeita. Uma vez que o proprietário tem o ônus de provar o desmembramento do imóvel particular a partir do patrimônio público, esse momento da alienação para um agente privado é o que se escolhe com maior frequência para forjar documentos, abrindo-se uma matrícula sem indicar a origem do imóvel.
       A partir disso, se constrói uma cadeia dominial sucessória, através da qual é reconstituída toda a genealogia das sucessivas compras, vendas e transmissões de um bem desde a sua forjada saída do patrimônio público. [...]
       Outra modalidade são as ações judiciais que procuram reconhecer terras devolutas como sendo privadas para driblar a proibição constitucional de usucapião de terras públicas. [...] A mesma operação pode ser realizada com declarações de posse que, mediante ação de um cartório conivente, podem ser transcritas como sendo registros de propriedade. Existe ainda, a técnica de retificação de área no registro de propriedade, na qual solicita-se que os limites de uma propriedade sejam modificados em cartório. Nesse caso, a matrícula existe, mas o pretenso proprietário alega um erro na área registrada e solicita a ampliação dos seus contornos. [...]
       Paralelamente, as medidas de regularização ambiental implementadas pelo Código Florestal de 2012 instauraram o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vem sendo usado como um cadastro fundiário informal nas operações de grilagem, para comprovar a ocupação e propriedade de terra. [...]
       Além de usurpar uma terra pública, os registros digitais conflitam muitas vezes com outros ocupantes dessas áreas que ainda não têm os seus direitos reconhecidos. As organizações de defesa das populações indígenas e tradicionais se mobilizam para denunciar essas práticas e alertam o poder público sobre a urgência de fazer o CAR de todas as terras de uso ou propriedade coletivos. [...]
       Os estudos realizados sobre os usos do CAR e dos mecanismos simplificados de regularização fundiária apontam a existência de esquemas organizados de grilagem e denunciam, ainda, uma relação causal entre desmatamento ilegal e grilagem. [...]
       Um estudo do Instituto Socioambiental na Amazônia avaliou em 11,6 milhões o número de hectares registrados no CAR em nome de terceiros e sobrepostos a Unidades de Conservação federais na Amazônia em 2020. Se acrescentar a isso as Unidades de Conservação estaduais, TI e as florestas públicas não destinadas, as sobreposições de CAR de terceiros sobre áreas protegidas na Amazônia Legal chegam a 29 milhões de hectares, dentre as quais 3,5 milhões em Terras Indígenas. [...]
       

BÜHLER, È. A; ZUCHERATO, B; IZECKSOHN, J. As novas faces
da grilagem no Brasil. In: Revista Ciência Hoje [CH 395]. Disponível
em: <https://cienciahoje.org.br/artigo/as-novas-faces-da-grilagem-no-brasil/>. Último acesso em 15 de junho de 2023. (Adaptado)

“No período colonial, a divisão do território em sesmarias (imensos lotes de terras virgens distribuídos em nome do rei de Portugal para agricultura) criou problemas que estão na origem da questão fundiária atual.”

De acordo com o texto, a palavra “fundiária” tem relação sinonímica com a palavra:
Alternativas
Q2273878 Português
TEXTO


       Para compreender a questão da grilagem, é necessário conhecer as formas históricas de distribuição e aquisição de terras no Brasil. No período colonial, a divisão do território em sesmarias (imensos lotes de terras virgens distribuídos em nome do rei de Portugal para agricultura) criou problemas que estão na origem da questão fundiária atual.
       Um primeiro problema surge da dificuldade em se mapear um território tão extenso. Além disso, amplas áreas não eram utilizadas do ponto de vista produtivo. Outro problema vem da escassez de população, que limitava a ocupação do território e a disponibilidade de força de trabalho no campo. Estima-se que, até 1700, a população brasileira era de apenas 300 mil habitantes, em boa medida concentrados no litoral nordestino e nas regiões mineradoras, segundo aponta Celso Furtado em seu livro Formação Econômica Brasileira.
       Por fim, somam-se a essas questões limitações políticas de domínio territorial, já que muitas regiões, principalmente no interior do país, não eram administradas na prática pela coroa portuguesa ou eram regiões em disputa com outros países. [...]
       Com a independência do país em 1822 e a revogação do regime das sesmarias, instaurou-se um vazio jurídico que reforçou a ocupação espontânea. O território em construção e seus confins alimentavam os mais diversos anseios de apropriação e exploração, tanto para os atores mais vulneráveis do campo (camponeses, indígenas, caboclos, escravos libertos) quanto para os mais providos. [...]
       A Lei de Terras, de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas no Império, passa a ser um marco na regulação fundiária nacional ao estipular que o acesso à terra não mais se daria pela mera ocupação, e sim por meio da sua compra. Ao instituir a propriedade privada e o mercado de terras, a Lei de Terras estabeleceu, ao mesmo tempo, a definição de terra pública. Assim, todos os possuidores (sesmeiros e posseiros) tinham um prazo estabelecido para registrarem suas terras, sob pena de estas caírem em comisso, isto é, de voltarem ao domínio público e serem consideradas, portanto, terras devolutas. [...]
       Ela é, ainda, interpretada como um texto conservador, cuja preocupação foi garantir a permanência de oferta de mão de obra barata ao setor agropecuário e consolidar as elites agrárias num momento em que o fim da escravatura estava se desenhando. De fato, ela exclui do mercado fundiário todos aqueles que não possuem recursos para adquirir terra. [...]
       Esse processo consolidou dois perfis que ajudam a compreender a complexidade da posse de terras. O primeiro perfil remete a campesinos que, ainda que não possuíssem o título da terra, moravam e produziam nos locais já ocupados. São os chamados posseiros. A Lei de Terras garantiu a sua permanência como ocupantes legítimos; porém, novas ocupações não poderiam se dar da mesma forma. Daí em diante, as terras teriam que ser compradas do Estado. O outro perfil é o de grupos que também ocupavam as terras de maneira irregular, mas falsificavam documentos de concessão das antigas sesmarias ou documentos de transmissão de posse como forma de serem reconhecidos como os verdadeiros donos da terra. Esses são os chamados grileiros. [...]
       Por tudo isso, é possível concluir que a Lei de Terras de 1850, longe de contribuir para discriminar as terras públicas das privadas, serviu, em grande medida, como mecanismo para incorporação ilegal de terras públicas e consolidação de áreas griladas.
       A partir de então, a grilagem se consolidou como uma prática lucrativa de controle da terra. À medida que a ocupação do território se intensificou, conflitos se multiplicaram entre posseiros, grileiros e proprietários. O progressivo adensamento da estrutura fundiária nas áreas de agricultura consolidada contribui no avanço e na busca por novas terras nas áreas ainda pouco cobiçadas, com baixa ocupação populacional.
       É nas áreas de fronteira agrícola, onde o mercado fundiário é ainda balbuciante e a delimitação das propriedades muito imprecisa, que a grilagem se expressa com maior força e continua liderando, como no passado, a apropriação de terras. Nelas, o Estado não consegue conter a grilagem, por não ter um registro cartográfico completo das terras públicas, nem cadastro da delimitação precisa das propriedades privadas. [...]
       As fronteiras agrícolas do Cerrado e da Amazônia, por exemplo, são notoriamente marcadas por grilagem e conflitos fundiários, onde é comum ver uma mesma terra sendo reivindicada por duas, três ou quatro pessoas distintas. Não por coincidência, as fronteiras agrícolas das últimas décadas se destacam pelo grande tamanho dos estabelecimentos agrícolas e por concentrar muita terra em poucas mãos.
       Por essas características e pela incapacidade do poder público em regulá-la, a grilagem tornou-se, também, um dos motores da concentração fundiária no país. [...]
       Existem muitos mecanismos jurídicos de execução da grilagem. A origem do termo é ligada ao uso de grilos trancados em uma caixa com documentos forjados, a fim de envelhecer artificialmente o documento para parecer mais legítimo. Hoje, porém, os protocolos de falsificação de documentos se sofisticaram, inclusive com o uso de técnicas digitais, e são facilitados pela própria legislação agrária e ambiental.
       Os cartórios são a espinha dorsal do sistema, já que aceitam abrir matrículas com uma documentação incompleta ou suspeita. Uma vez que o proprietário tem o ônus de provar o desmembramento do imóvel particular a partir do patrimônio público, esse momento da alienação para um agente privado é o que se escolhe com maior frequência para forjar documentos, abrindo-se uma matrícula sem indicar a origem do imóvel.
       A partir disso, se constrói uma cadeia dominial sucessória, através da qual é reconstituída toda a genealogia das sucessivas compras, vendas e transmissões de um bem desde a sua forjada saída do patrimônio público. [...]
       Outra modalidade são as ações judiciais que procuram reconhecer terras devolutas como sendo privadas para driblar a proibição constitucional de usucapião de terras públicas. [...] A mesma operação pode ser realizada com declarações de posse que, mediante ação de um cartório conivente, podem ser transcritas como sendo registros de propriedade. Existe ainda, a técnica de retificação de área no registro de propriedade, na qual solicita-se que os limites de uma propriedade sejam modificados em cartório. Nesse caso, a matrícula existe, mas o pretenso proprietário alega um erro na área registrada e solicita a ampliação dos seus contornos. [...]
       Paralelamente, as medidas de regularização ambiental implementadas pelo Código Florestal de 2012 instauraram o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vem sendo usado como um cadastro fundiário informal nas operações de grilagem, para comprovar a ocupação e propriedade de terra. [...]
       Além de usurpar uma terra pública, os registros digitais conflitam muitas vezes com outros ocupantes dessas áreas que ainda não têm os seus direitos reconhecidos. As organizações de defesa das populações indígenas e tradicionais se mobilizam para denunciar essas práticas e alertam o poder público sobre a urgência de fazer o CAR de todas as terras de uso ou propriedade coletivos. [...]
       Os estudos realizados sobre os usos do CAR e dos mecanismos simplificados de regularização fundiária apontam a existência de esquemas organizados de grilagem e denunciam, ainda, uma relação causal entre desmatamento ilegal e grilagem. [...]
       Um estudo do Instituto Socioambiental na Amazônia avaliou em 11,6 milhões o número de hectares registrados no CAR em nome de terceiros e sobrepostos a Unidades de Conservação federais na Amazônia em 2020. Se acrescentar a isso as Unidades de Conservação estaduais, TI e as florestas públicas não destinadas, as sobreposições de CAR de terceiros sobre áreas protegidas na Amazônia Legal chegam a 29 milhões de hectares, dentre as quais 3,5 milhões em Terras Indígenas. [...]
       

BÜHLER, È. A; ZUCHERATO, B; IZECKSOHN, J. As novas faces
da grilagem no Brasil. In: Revista Ciência Hoje [CH 395]. Disponível
em: <https://cienciahoje.org.br/artigo/as-novas-faces-da-grilagem-no-brasil/>. Último acesso em 15 de junho de 2023. (Adaptado)

“O território em construção e seus confins alimentavam os mais diversos anseios de apropriação e exploração, tanto para os atores mais vulneráveis do campo (camponeses, indígenas, caboclos, escravos libertos) quanto para os mais providos.”

As palavras destacadas no segmento acima podem ser substituídas, sem prejuízo semântico, respectivamente, por:
Alternativas
Q2273879 Português
TEXTO


       Para compreender a questão da grilagem, é necessário conhecer as formas históricas de distribuição e aquisição de terras no Brasil. No período colonial, a divisão do território em sesmarias (imensos lotes de terras virgens distribuídos em nome do rei de Portugal para agricultura) criou problemas que estão na origem da questão fundiária atual.
       Um primeiro problema surge da dificuldade em se mapear um território tão extenso. Além disso, amplas áreas não eram utilizadas do ponto de vista produtivo. Outro problema vem da escassez de população, que limitava a ocupação do território e a disponibilidade de força de trabalho no campo. Estima-se que, até 1700, a população brasileira era de apenas 300 mil habitantes, em boa medida concentrados no litoral nordestino e nas regiões mineradoras, segundo aponta Celso Furtado em seu livro Formação Econômica Brasileira.
       Por fim, somam-se a essas questões limitações políticas de domínio territorial, já que muitas regiões, principalmente no interior do país, não eram administradas na prática pela coroa portuguesa ou eram regiões em disputa com outros países. [...]
       Com a independência do país em 1822 e a revogação do regime das sesmarias, instaurou-se um vazio jurídico que reforçou a ocupação espontânea. O território em construção e seus confins alimentavam os mais diversos anseios de apropriação e exploração, tanto para os atores mais vulneráveis do campo (camponeses, indígenas, caboclos, escravos libertos) quanto para os mais providos. [...]
       A Lei de Terras, de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas no Império, passa a ser um marco na regulação fundiária nacional ao estipular que o acesso à terra não mais se daria pela mera ocupação, e sim por meio da sua compra. Ao instituir a propriedade privada e o mercado de terras, a Lei de Terras estabeleceu, ao mesmo tempo, a definição de terra pública. Assim, todos os possuidores (sesmeiros e posseiros) tinham um prazo estabelecido para registrarem suas terras, sob pena de estas caírem em comisso, isto é, de voltarem ao domínio público e serem consideradas, portanto, terras devolutas. [...]
       Ela é, ainda, interpretada como um texto conservador, cuja preocupação foi garantir a permanência de oferta de mão de obra barata ao setor agropecuário e consolidar as elites agrárias num momento em que o fim da escravatura estava se desenhando. De fato, ela exclui do mercado fundiário todos aqueles que não possuem recursos para adquirir terra. [...]
       Esse processo consolidou dois perfis que ajudam a compreender a complexidade da posse de terras. O primeiro perfil remete a campesinos que, ainda que não possuíssem o título da terra, moravam e produziam nos locais já ocupados. São os chamados posseiros. A Lei de Terras garantiu a sua permanência como ocupantes legítimos; porém, novas ocupações não poderiam se dar da mesma forma. Daí em diante, as terras teriam que ser compradas do Estado. O outro perfil é o de grupos que também ocupavam as terras de maneira irregular, mas falsificavam documentos de concessão das antigas sesmarias ou documentos de transmissão de posse como forma de serem reconhecidos como os verdadeiros donos da terra. Esses são os chamados grileiros. [...]
       Por tudo isso, é possível concluir que a Lei de Terras de 1850, longe de contribuir para discriminar as terras públicas das privadas, serviu, em grande medida, como mecanismo para incorporação ilegal de terras públicas e consolidação de áreas griladas.
       A partir de então, a grilagem se consolidou como uma prática lucrativa de controle da terra. À medida que a ocupação do território se intensificou, conflitos se multiplicaram entre posseiros, grileiros e proprietários. O progressivo adensamento da estrutura fundiária nas áreas de agricultura consolidada contribui no avanço e na busca por novas terras nas áreas ainda pouco cobiçadas, com baixa ocupação populacional.
       É nas áreas de fronteira agrícola, onde o mercado fundiário é ainda balbuciante e a delimitação das propriedades muito imprecisa, que a grilagem se expressa com maior força e continua liderando, como no passado, a apropriação de terras. Nelas, o Estado não consegue conter a grilagem, por não ter um registro cartográfico completo das terras públicas, nem cadastro da delimitação precisa das propriedades privadas. [...]
       As fronteiras agrícolas do Cerrado e da Amazônia, por exemplo, são notoriamente marcadas por grilagem e conflitos fundiários, onde é comum ver uma mesma terra sendo reivindicada por duas, três ou quatro pessoas distintas. Não por coincidência, as fronteiras agrícolas das últimas décadas se destacam pelo grande tamanho dos estabelecimentos agrícolas e por concentrar muita terra em poucas mãos.
       Por essas características e pela incapacidade do poder público em regulá-la, a grilagem tornou-se, também, um dos motores da concentração fundiária no país. [...]
       Existem muitos mecanismos jurídicos de execução da grilagem. A origem do termo é ligada ao uso de grilos trancados em uma caixa com documentos forjados, a fim de envelhecer artificialmente o documento para parecer mais legítimo. Hoje, porém, os protocolos de falsificação de documentos se sofisticaram, inclusive com o uso de técnicas digitais, e são facilitados pela própria legislação agrária e ambiental.
       Os cartórios são a espinha dorsal do sistema, já que aceitam abrir matrículas com uma documentação incompleta ou suspeita. Uma vez que o proprietário tem o ônus de provar o desmembramento do imóvel particular a partir do patrimônio público, esse momento da alienação para um agente privado é o que se escolhe com maior frequência para forjar documentos, abrindo-se uma matrícula sem indicar a origem do imóvel.
       A partir disso, se constrói uma cadeia dominial sucessória, através da qual é reconstituída toda a genealogia das sucessivas compras, vendas e transmissões de um bem desde a sua forjada saída do patrimônio público. [...]
       Outra modalidade são as ações judiciais que procuram reconhecer terras devolutas como sendo privadas para driblar a proibição constitucional de usucapião de terras públicas. [...] A mesma operação pode ser realizada com declarações de posse que, mediante ação de um cartório conivente, podem ser transcritas como sendo registros de propriedade. Existe ainda, a técnica de retificação de área no registro de propriedade, na qual solicita-se que os limites de uma propriedade sejam modificados em cartório. Nesse caso, a matrícula existe, mas o pretenso proprietário alega um erro na área registrada e solicita a ampliação dos seus contornos. [...]
       Paralelamente, as medidas de regularização ambiental implementadas pelo Código Florestal de 2012 instauraram o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vem sendo usado como um cadastro fundiário informal nas operações de grilagem, para comprovar a ocupação e propriedade de terra. [...]
       Além de usurpar uma terra pública, os registros digitais conflitam muitas vezes com outros ocupantes dessas áreas que ainda não têm os seus direitos reconhecidos. As organizações de defesa das populações indígenas e tradicionais se mobilizam para denunciar essas práticas e alertam o poder público sobre a urgência de fazer o CAR de todas as terras de uso ou propriedade coletivos. [...]
       Os estudos realizados sobre os usos do CAR e dos mecanismos simplificados de regularização fundiária apontam a existência de esquemas organizados de grilagem e denunciam, ainda, uma relação causal entre desmatamento ilegal e grilagem. [...]
       Um estudo do Instituto Socioambiental na Amazônia avaliou em 11,6 milhões o número de hectares registrados no CAR em nome de terceiros e sobrepostos a Unidades de Conservação federais na Amazônia em 2020. Se acrescentar a isso as Unidades de Conservação estaduais, TI e as florestas públicas não destinadas, as sobreposições de CAR de terceiros sobre áreas protegidas na Amazônia Legal chegam a 29 milhões de hectares, dentre as quais 3,5 milhões em Terras Indígenas. [...]
       

BÜHLER, È. A; ZUCHERATO, B; IZECKSOHN, J. As novas faces
da grilagem no Brasil. In: Revista Ciência Hoje [CH 395]. Disponível
em: <https://cienciahoje.org.br/artigo/as-novas-faces-da-grilagem-no-brasil/>. Último acesso em 15 de junho de 2023. (Adaptado)

“Ela é, ainda, interpretada como um texto conservador, cuja preocupação foi garantir a permanência de oferta de mão de obra barata ao setor agropecuário e consolidar as elites agrárias num momento em que o fim da escravatura estava se desenhando.”

Assinale a alternativa que reescreve CORRETAMENTE o trecho acima, respeitando a norma culta da língua portuguesa. 
Alternativas
Q2273880 Português
TEXTO


       Para compreender a questão da grilagem, é necessário conhecer as formas históricas de distribuição e aquisição de terras no Brasil. No período colonial, a divisão do território em sesmarias (imensos lotes de terras virgens distribuídos em nome do rei de Portugal para agricultura) criou problemas que estão na origem da questão fundiária atual.
       Um primeiro problema surge da dificuldade em se mapear um território tão extenso. Além disso, amplas áreas não eram utilizadas do ponto de vista produtivo. Outro problema vem da escassez de população, que limitava a ocupação do território e a disponibilidade de força de trabalho no campo. Estima-se que, até 1700, a população brasileira era de apenas 300 mil habitantes, em boa medida concentrados no litoral nordestino e nas regiões mineradoras, segundo aponta Celso Furtado em seu livro Formação Econômica Brasileira.
       Por fim, somam-se a essas questões limitações políticas de domínio territorial, já que muitas regiões, principalmente no interior do país, não eram administradas na prática pela coroa portuguesa ou eram regiões em disputa com outros países. [...]
       Com a independência do país em 1822 e a revogação do regime das sesmarias, instaurou-se um vazio jurídico que reforçou a ocupação espontânea. O território em construção e seus confins alimentavam os mais diversos anseios de apropriação e exploração, tanto para os atores mais vulneráveis do campo (camponeses, indígenas, caboclos, escravos libertos) quanto para os mais providos. [...]
       A Lei de Terras, de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas no Império, passa a ser um marco na regulação fundiária nacional ao estipular que o acesso à terra não mais se daria pela mera ocupação, e sim por meio da sua compra. Ao instituir a propriedade privada e o mercado de terras, a Lei de Terras estabeleceu, ao mesmo tempo, a definição de terra pública. Assim, todos os possuidores (sesmeiros e posseiros) tinham um prazo estabelecido para registrarem suas terras, sob pena de estas caírem em comisso, isto é, de voltarem ao domínio público e serem consideradas, portanto, terras devolutas. [...]
       Ela é, ainda, interpretada como um texto conservador, cuja preocupação foi garantir a permanência de oferta de mão de obra barata ao setor agropecuário e consolidar as elites agrárias num momento em que o fim da escravatura estava se desenhando. De fato, ela exclui do mercado fundiário todos aqueles que não possuem recursos para adquirir terra. [...]
       Esse processo consolidou dois perfis que ajudam a compreender a complexidade da posse de terras. O primeiro perfil remete a campesinos que, ainda que não possuíssem o título da terra, moravam e produziam nos locais já ocupados. São os chamados posseiros. A Lei de Terras garantiu a sua permanência como ocupantes legítimos; porém, novas ocupações não poderiam se dar da mesma forma. Daí em diante, as terras teriam que ser compradas do Estado. O outro perfil é o de grupos que também ocupavam as terras de maneira irregular, mas falsificavam documentos de concessão das antigas sesmarias ou documentos de transmissão de posse como forma de serem reconhecidos como os verdadeiros donos da terra. Esses são os chamados grileiros. [...]
       Por tudo isso, é possível concluir que a Lei de Terras de 1850, longe de contribuir para discriminar as terras públicas das privadas, serviu, em grande medida, como mecanismo para incorporação ilegal de terras públicas e consolidação de áreas griladas.
       A partir de então, a grilagem se consolidou como uma prática lucrativa de controle da terra. À medida que a ocupação do território se intensificou, conflitos se multiplicaram entre posseiros, grileiros e proprietários. O progressivo adensamento da estrutura fundiária nas áreas de agricultura consolidada contribui no avanço e na busca por novas terras nas áreas ainda pouco cobiçadas, com baixa ocupação populacional.
       É nas áreas de fronteira agrícola, onde o mercado fundiário é ainda balbuciante e a delimitação das propriedades muito imprecisa, que a grilagem se expressa com maior força e continua liderando, como no passado, a apropriação de terras. Nelas, o Estado não consegue conter a grilagem, por não ter um registro cartográfico completo das terras públicas, nem cadastro da delimitação precisa das propriedades privadas. [...]
       As fronteiras agrícolas do Cerrado e da Amazônia, por exemplo, são notoriamente marcadas por grilagem e conflitos fundiários, onde é comum ver uma mesma terra sendo reivindicada por duas, três ou quatro pessoas distintas. Não por coincidência, as fronteiras agrícolas das últimas décadas se destacam pelo grande tamanho dos estabelecimentos agrícolas e por concentrar muita terra em poucas mãos.
       Por essas características e pela incapacidade do poder público em regulá-la, a grilagem tornou-se, também, um dos motores da concentração fundiária no país. [...]
       Existem muitos mecanismos jurídicos de execução da grilagem. A origem do termo é ligada ao uso de grilos trancados em uma caixa com documentos forjados, a fim de envelhecer artificialmente o documento para parecer mais legítimo. Hoje, porém, os protocolos de falsificação de documentos se sofisticaram, inclusive com o uso de técnicas digitais, e são facilitados pela própria legislação agrária e ambiental.
       Os cartórios são a espinha dorsal do sistema, já que aceitam abrir matrículas com uma documentação incompleta ou suspeita. Uma vez que o proprietário tem o ônus de provar o desmembramento do imóvel particular a partir do patrimônio público, esse momento da alienação para um agente privado é o que se escolhe com maior frequência para forjar documentos, abrindo-se uma matrícula sem indicar a origem do imóvel.
       A partir disso, se constrói uma cadeia dominial sucessória, através da qual é reconstituída toda a genealogia das sucessivas compras, vendas e transmissões de um bem desde a sua forjada saída do patrimônio público. [...]
       Outra modalidade são as ações judiciais que procuram reconhecer terras devolutas como sendo privadas para driblar a proibição constitucional de usucapião de terras públicas. [...] A mesma operação pode ser realizada com declarações de posse que, mediante ação de um cartório conivente, podem ser transcritas como sendo registros de propriedade. Existe ainda, a técnica de retificação de área no registro de propriedade, na qual solicita-se que os limites de uma propriedade sejam modificados em cartório. Nesse caso, a matrícula existe, mas o pretenso proprietário alega um erro na área registrada e solicita a ampliação dos seus contornos. [...]
       Paralelamente, as medidas de regularização ambiental implementadas pelo Código Florestal de 2012 instauraram o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vem sendo usado como um cadastro fundiário informal nas operações de grilagem, para comprovar a ocupação e propriedade de terra. [...]
       Além de usurpar uma terra pública, os registros digitais conflitam muitas vezes com outros ocupantes dessas áreas que ainda não têm os seus direitos reconhecidos. As organizações de defesa das populações indígenas e tradicionais se mobilizam para denunciar essas práticas e alertam o poder público sobre a urgência de fazer o CAR de todas as terras de uso ou propriedade coletivos. [...]
       Os estudos realizados sobre os usos do CAR e dos mecanismos simplificados de regularização fundiária apontam a existência de esquemas organizados de grilagem e denunciam, ainda, uma relação causal entre desmatamento ilegal e grilagem. [...]
       Um estudo do Instituto Socioambiental na Amazônia avaliou em 11,6 milhões o número de hectares registrados no CAR em nome de terceiros e sobrepostos a Unidades de Conservação federais na Amazônia em 2020. Se acrescentar a isso as Unidades de Conservação estaduais, TI e as florestas públicas não destinadas, as sobreposições de CAR de terceiros sobre áreas protegidas na Amazônia Legal chegam a 29 milhões de hectares, dentre as quais 3,5 milhões em Terras Indígenas. [...]
       

BÜHLER, È. A; ZUCHERATO, B; IZECKSOHN, J. As novas faces
da grilagem no Brasil. In: Revista Ciência Hoje [CH 395]. Disponível
em: <https://cienciahoje.org.br/artigo/as-novas-faces-da-grilagem-no-brasil/>. Último acesso em 15 de junho de 2023. (Adaptado)

“É nas áreas de fronteira agrícola, onde o mercado fundiário é ainda balbuciante e a delimitação das propriedades muito imprecisa”.

O termo destacado no fragmento acima está sendo usado no seu sentido figurado. É CORRETO afirmar que essa palavra pode ser substituída nesse contexto por: 
Alternativas
Q2273881 Português
TEXTO


       Para compreender a questão da grilagem, é necessário conhecer as formas históricas de distribuição e aquisição de terras no Brasil. No período colonial, a divisão do território em sesmarias (imensos lotes de terras virgens distribuídos em nome do rei de Portugal para agricultura) criou problemas que estão na origem da questão fundiária atual.
       Um primeiro problema surge da dificuldade em se mapear um território tão extenso. Além disso, amplas áreas não eram utilizadas do ponto de vista produtivo. Outro problema vem da escassez de população, que limitava a ocupação do território e a disponibilidade de força de trabalho no campo. Estima-se que, até 1700, a população brasileira era de apenas 300 mil habitantes, em boa medida concentrados no litoral nordestino e nas regiões mineradoras, segundo aponta Celso Furtado em seu livro Formação Econômica Brasileira.
       Por fim, somam-se a essas questões limitações políticas de domínio territorial, já que muitas regiões, principalmente no interior do país, não eram administradas na prática pela coroa portuguesa ou eram regiões em disputa com outros países. [...]
       Com a independência do país em 1822 e a revogação do regime das sesmarias, instaurou-se um vazio jurídico que reforçou a ocupação espontânea. O território em construção e seus confins alimentavam os mais diversos anseios de apropriação e exploração, tanto para os atores mais vulneráveis do campo (camponeses, indígenas, caboclos, escravos libertos) quanto para os mais providos. [...]
       A Lei de Terras, de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas no Império, passa a ser um marco na regulação fundiária nacional ao estipular que o acesso à terra não mais se daria pela mera ocupação, e sim por meio da sua compra. Ao instituir a propriedade privada e o mercado de terras, a Lei de Terras estabeleceu, ao mesmo tempo, a definição de terra pública. Assim, todos os possuidores (sesmeiros e posseiros) tinham um prazo estabelecido para registrarem suas terras, sob pena de estas caírem em comisso, isto é, de voltarem ao domínio público e serem consideradas, portanto, terras devolutas. [...]
       Ela é, ainda, interpretada como um texto conservador, cuja preocupação foi garantir a permanência de oferta de mão de obra barata ao setor agropecuário e consolidar as elites agrárias num momento em que o fim da escravatura estava se desenhando. De fato, ela exclui do mercado fundiário todos aqueles que não possuem recursos para adquirir terra. [...]
       Esse processo consolidou dois perfis que ajudam a compreender a complexidade da posse de terras. O primeiro perfil remete a campesinos que, ainda que não possuíssem o título da terra, moravam e produziam nos locais já ocupados. São os chamados posseiros. A Lei de Terras garantiu a sua permanência como ocupantes legítimos; porém, novas ocupações não poderiam se dar da mesma forma. Daí em diante, as terras teriam que ser compradas do Estado. O outro perfil é o de grupos que também ocupavam as terras de maneira irregular, mas falsificavam documentos de concessão das antigas sesmarias ou documentos de transmissão de posse como forma de serem reconhecidos como os verdadeiros donos da terra. Esses são os chamados grileiros. [...]
       Por tudo isso, é possível concluir que a Lei de Terras de 1850, longe de contribuir para discriminar as terras públicas das privadas, serviu, em grande medida, como mecanismo para incorporação ilegal de terras públicas e consolidação de áreas griladas.
       A partir de então, a grilagem se consolidou como uma prática lucrativa de controle da terra. À medida que a ocupação do território se intensificou, conflitos se multiplicaram entre posseiros, grileiros e proprietários. O progressivo adensamento da estrutura fundiária nas áreas de agricultura consolidada contribui no avanço e na busca por novas terras nas áreas ainda pouco cobiçadas, com baixa ocupação populacional.
       É nas áreas de fronteira agrícola, onde o mercado fundiário é ainda balbuciante e a delimitação das propriedades muito imprecisa, que a grilagem se expressa com maior força e continua liderando, como no passado, a apropriação de terras. Nelas, o Estado não consegue conter a grilagem, por não ter um registro cartográfico completo das terras públicas, nem cadastro da delimitação precisa das propriedades privadas. [...]
       As fronteiras agrícolas do Cerrado e da Amazônia, por exemplo, são notoriamente marcadas por grilagem e conflitos fundiários, onde é comum ver uma mesma terra sendo reivindicada por duas, três ou quatro pessoas distintas. Não por coincidência, as fronteiras agrícolas das últimas décadas se destacam pelo grande tamanho dos estabelecimentos agrícolas e por concentrar muita terra em poucas mãos.
       Por essas características e pela incapacidade do poder público em regulá-la, a grilagem tornou-se, também, um dos motores da concentração fundiária no país. [...]
       Existem muitos mecanismos jurídicos de execução da grilagem. A origem do termo é ligada ao uso de grilos trancados em uma caixa com documentos forjados, a fim de envelhecer artificialmente o documento para parecer mais legítimo. Hoje, porém, os protocolos de falsificação de documentos se sofisticaram, inclusive com o uso de técnicas digitais, e são facilitados pela própria legislação agrária e ambiental.
       Os cartórios são a espinha dorsal do sistema, já que aceitam abrir matrículas com uma documentação incompleta ou suspeita. Uma vez que o proprietário tem o ônus de provar o desmembramento do imóvel particular a partir do patrimônio público, esse momento da alienação para um agente privado é o que se escolhe com maior frequência para forjar documentos, abrindo-se uma matrícula sem indicar a origem do imóvel.
       A partir disso, se constrói uma cadeia dominial sucessória, através da qual é reconstituída toda a genealogia das sucessivas compras, vendas e transmissões de um bem desde a sua forjada saída do patrimônio público. [...]
       Outra modalidade são as ações judiciais que procuram reconhecer terras devolutas como sendo privadas para driblar a proibição constitucional de usucapião de terras públicas. [...] A mesma operação pode ser realizada com declarações de posse que, mediante ação de um cartório conivente, podem ser transcritas como sendo registros de propriedade. Existe ainda, a técnica de retificação de área no registro de propriedade, na qual solicita-se que os limites de uma propriedade sejam modificados em cartório. Nesse caso, a matrícula existe, mas o pretenso proprietário alega um erro na área registrada e solicita a ampliação dos seus contornos. [...]
       Paralelamente, as medidas de regularização ambiental implementadas pelo Código Florestal de 2012 instauraram o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vem sendo usado como um cadastro fundiário informal nas operações de grilagem, para comprovar a ocupação e propriedade de terra. [...]
       Além de usurpar uma terra pública, os registros digitais conflitam muitas vezes com outros ocupantes dessas áreas que ainda não têm os seus direitos reconhecidos. As organizações de defesa das populações indígenas e tradicionais se mobilizam para denunciar essas práticas e alertam o poder público sobre a urgência de fazer o CAR de todas as terras de uso ou propriedade coletivos. [...]
       Os estudos realizados sobre os usos do CAR e dos mecanismos simplificados de regularização fundiária apontam a existência de esquemas organizados de grilagem e denunciam, ainda, uma relação causal entre desmatamento ilegal e grilagem. [...]
       Um estudo do Instituto Socioambiental na Amazônia avaliou em 11,6 milhões o número de hectares registrados no CAR em nome de terceiros e sobrepostos a Unidades de Conservação federais na Amazônia em 2020. Se acrescentar a isso as Unidades de Conservação estaduais, TI e as florestas públicas não destinadas, as sobreposições de CAR de terceiros sobre áreas protegidas na Amazônia Legal chegam a 29 milhões de hectares, dentre as quais 3,5 milhões em Terras Indígenas. [...]
       

BÜHLER, È. A; ZUCHERATO, B; IZECKSOHN, J. As novas faces
da grilagem no Brasil. In: Revista Ciência Hoje [CH 395]. Disponível
em: <https://cienciahoje.org.br/artigo/as-novas-faces-da-grilagem-no-brasil/>. Último acesso em 15 de junho de 2023. (Adaptado)

No trecho “A partir disso, se constrói uma cadeia dominial sucessória, através da qual é reconstituída toda a genealogia das sucessivas compras, vendas e transmissões de um bem”, o termo destacado se refere, CORRETAMENTE, a(à):
Alternativas
Respostas
1: C
2: B
3: A
4: B
5: C