LÍNGUA PORTUGUESA
Sabei cristãos, sabei príncipes, sabei ministros, que se vos
há de pedir estreita conta do que fizestes; mas muito mais
estreita do que deixastes de fazer. Pelo que fizeram, se hão de
condenar muitos, pelo que não fizeram, todos. [...]
Desçamos a exemplos mais públicos. Por uma omissão
perde-se uma maré, por uma maré perde-se uma viagem, por
uma viagem perde-se uma armada, por uma armada perde-se
um Estado: dai conta a Deus de uma Índia, dai conta a Deus de
um Brasil, por uma omissão. Por uma omissão perde-se um
aviso, por um aviso perde-se uma ocasião, por uma ocasião
perde-se um negócio, por um negócio perde-se um reino: dai
conta a Deus de tantas casas, dai conta a Deus de tantas vidas,
dai conta a Deus de tantas fazendas, dai conta a Deus de tantas
honras, por uma omissão. Oh que arriscada salvação! Oh que
arriscado ofício é o dos príncipes e o dos ministros! Está o
príncipe, está o ministro divertido, sem fazer má obra, sem dizer
má palavra, sem ter mau nem bom pensamento: e talvez naquela mesma hora, por culpa de uma omissão, está cometendo
maiores danos, maiores estragos, maiores destruições, que
todos os malfeitores do mundo em muitos anos. O salteador na
charneca com um tiro mata um homem; o príncipe e o ministro
com uma omissão matam de um golpe uma monarquia. A
omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e com
mais dificuldade se conhece; e o que facilmente se comete e
dificultosamente se conhece, raramente se emenda. A omissão
é um pecado que se faz não fazendo. [...]
Mas por que se perdem tantos? Os menos maus perdem-se pelo que fazem, que estes são os menos maus; os
piores perdem-se pelo que deixam de fazer, que estes são
os piores: por omissões, por negligências, por descuidos, por
desatenções, por divertimentos, por vagares, por dilações, por
eternidades. Eis aqui um pecado de que não fazem escrúpulo
os ministros, e um pecado por que se perdem muitos. Mas
percam-se eles embora, já que assim o querem: o mal é que
se perdem a si e perdem a todos; mas de todos hão de dar
conta a Deus. Uma das cousas de que se devem acusar e fazer
grande escrúpulo os ministros, é dos pecados do tempo.
Porque fizeram o mês que vem o que se havia de fazer
o passado; porque fizeram amanhã o que se havia de fazer
hoje; porque fizeram depois o que se havia de fazer agora;
porque fizeram logo o que se havia de fazer já. Tão delicadas
como isto hão de ser as consciências dos que governam, em
matérias de momentos. O ministro que não faz grande escrúpulo de momentos não anda em bom estado: a fazenda
pode-se restituir; a fama, ainda que mal, também se restitui;
o tempo não tem restituição alguma.
(Sermões, Padre Antônio Vieira. Erechim: Edelbra, 1998. Excerto.)