Texto 1 – O caminho da alimentação saudável
Nova rotulagem da Anvisa é bem-vinda, mas aquém de seu
potencial
Carlos Augusto Monteiro
Laís Amaral Mais
Desde outubro de 2022, o consumidor brasileiro vem se
deparando com mudanças nas embalagens de alimentos nos
mercados. Trata-se do novo modelo de rotulagem nutricional
determinado pela Anvisa.
O uso do padrão é válido para produtos alimentícios lançados a
partir de 9 de outubro; para aqueles já existentes, o prazo para
adequação pode ser de um a três anos a partir da mesma data,
dependendo da natureza do produto.
O modelo traz novidades importantes. A principal é a inclusão de
um ícone de lupa, indicando alto teor de gordura saturada,
açúcar adicionado e sódio — cuja ingestão excessiva aumenta o
risco de doenças crônicas. Além disso, padroniza o design da
tabela nutricional e mostra valores nutricionais do alimento com
base em porções de 100 g ou 100 ml, facilitando comparações
entre produtos semelhantes de marcas distintas.
A adoção é um avanço. O rótulo de um alimento traz informações
que orientam o consumidor sobre os componentes do produto,
interferindo na decisão de compra. A escolha da nova rotulagem,
no entanto, poderia — e deveria — ter ido além.
Na teoria, a função do ícone da lupa é informar o consumidor
sobre a composição dos alimentos. Na prática, a iniciativa deveria
apoiar escolhas alimentares mais saudáveis. Segundo o Guia
Alimentar para a População Brasileira, um caminho simples para
manter uma alimentação saudável é evitar o consumo
de ultraprocessados. São opções que contêm pouco ou nenhum
alimento inteiro, sendo feitas majoritariamente de substâncias
extraídas de alimentos (como amido do milho ou proteína da
soja). Por isso, é comum que sejam adicionados corantes,
aromatizantes e outros aditivos que os deixam atraentes.
Eles também costumam ter excesso de açúcar, gordura saturada
e sódio. Dessa forma, uma grande parte dos alimentos aptos a
levar o selo da lupa é composta de ultraprocessados. Ainda
assim, muitos alimentos nocivos à saúde podem passar
incólumes, já que o perfil nutricional — ou seja, os limites para
cada nutriente crítico — escolhido pela Anvisa é demasiado
permissivo.
Para receber um rótulo de "alto em sódio" no Brasil, por
exemplo, um alimento precisa ter ao menos 600 mg do nutriente
a cada 100 g de produto. Em comparação, o perfil nutricional da
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) atrela a quantidade
de sódio ao total calórico do produto. Na prática, a diferença é
notável: no caso de um caldo de galinha em cubos, o modelo da
Anvisa tolera o dobro de sódio aceito pela Opas.
Brechas como essa, aliadas à publicidade já costumeira desses
produtos, podem seguir provocando confusão ao consumidor.
Mais que mostrar excessos em nutrientes, é necessário ajudar a
população a identificar os ultraprocessados. Isso poderia ocorrer
facilmente com o destaque da presença de certos tipos de
aditivos alimentares. Afinal, nenhum alimento feito com comida
de verdade precisa de "aroma idêntico ao natural de morango".
Para além das mudanças na rotulagem, o Brasil pode seguir o
exemplo do Chile, que, junto às regras, implementou políticas
públicas de alimentação saudável. A iniciativa inclui campanhas
educativas e a regulação da publicidade e da venda de produtos
não saudáveis a crianças. São ações que beneficiariam
largamente a alimentação e a saúde no Brasil.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/01/o
-caminho-da-alimentacao-saudavel.shtml
Acesso em: 13/05/2023