Imagine uma discussão, após um jogo de futebol, sobre
um pênalti. “Ele obviamente foi empurrado”, diz o torcedor de
um time. “Que nada, se jogou”, diz o outro.
O mais interessante: ambos acreditam no que dizem. Ou
seja, não se trata de uma distorção deliberada da realidade,
uma “malandragem”, mas de um viés involuntariamente criado
pelo cérebro.
Apostando que isso não se aplica só ao futebol, mas também
se aplica a várias outras áreas (como a política), um
físico e professor da USP tem se dedicado a mapear todos
os mecanismos mentais que nos tornam seres tendenciosos
– ele já publicou artigos sobre o tema em revistas científicas
e prepara um livro. Para André Martins, isso é um problema
inclusive para o método científico.
Além do viés de confirmação – primeiro escolhemos um
lado, depois selecionamos os fatos que sejam adequados –,
existem muitos outros mecanismos de parcialidade no nosso
cérebro. Um dos mais famosos é o pensamento de grupo.
Estudos mostram que, se um voluntário desavisado é colocado
em uma sala cheia de atores, ele vai concordar com
eles em várias questões, mesmo que estejam obviamente errados.
A maior parte dos voluntários chega a dizer que duas
retas evidentemente diferentes têm o mesmo tamanho, só
porque os outros concluíram isso antes deles.
“Um exemplo disso é uma assembleia estudantil”, diz
Martins. “Não existe muita permissão para ideias próprias,
só alguns pensamentos são permitidos. Dissidentes são de
alguma forma humilhados”.
Uma historieta norte-americana sintetiza o assunto: em
uma sala de reuniões, o chefão dá o diagnóstico: “Nosso problema
é que precisamos de mais opiniões divergentes”, ao
que os subordinados reagem, dizendo “com certeza, chefe”,
“exatamente o que eu penso”.
Estudos mais recentes, em que os cérebros dos voluntários são mapeados, mostram que estar isolado, discordando
da maioria, ativa regiões ligadas à dor, ou seja, a rejeição de
ser diferente machuca.
(Ricardo Mioto, Como estragar um raciocínio. Folha de S.Paulo, 28.11.2015.
Adaptado)