Novos pesadelos informáticos
Outro dia, uma revista me descreveu como
convicto “tecnófobo”, neologismo horrendo inventado
para designar os que têm medo ou aversão aos
progressos tecnológicos.Acho isso uma injustiça. Em
86, na Copa do México, eu já estava escrevendo
(aliás, denúncia pública: este ano não vou à França,
ninguém me chamou; acho que fui finalmente
desmascarado como colunista esportivo) num
computadorzinho arqueológico, movido a querosene,
ou coisa semelhante. Era dos mais modernos em
existência, no qual me viciei e que o jornal, depois de
promessas falsas, me tomou de volta. [...]
Já no final de 86, era eu orgulhoso proprietário
e operador de um possante Apple IIE (enhanced),
com devastadores 140 kb de memória, das quais o
programa para escrever comia uns 120. Mas eu
continuava feliz, com meu monitor de fósforo verde e
minha impressora matricial Emilia, os quais se
transformaram em atração turística de Itaparica, tanto
para nativos quanto para visitantes. Que maravilha,
nunca mais ter de botar papel carbono na máquina ou
ter de fazer correções a caneta – e eu, que sempre fui
catamilhógrafo, apresentava um texto mais sujo do
que as ruas da maioria de nossas capitais. Havia
finalmente ingressado na Nova Era, estava garantido.
Bobagem, como logo se veria. Um ano
depois, meu celebrado computador não só me
matava de vergonha diante dos visitantes, como
quebrava duas vezes por semana e eu, que não dirijo,
pedia à minha heroica esposa que o levasse a
Salvador, poderosíssima razão para minha
conversão pétrea à indissolubilidade do matrimônio.
[...]
[...] Mas ganhei um computador novo! Fui
dormir felicíssimo, pensando em meu lapetope de
última geração, cheio de todas as chinfras. Mas tudo
durou pouco, porque um certo escritor amigo meu me
telefonou.
–Alô! – disse o Zé Rubem do outro lado.
– Você tem tempo para mim? Digo isso
porque, com seu equipamento obsoleto, não deve
sobrar muito tempo, além do necessário para almoçar
apressadamente.
– Ah-ah! – disse eu. – Desta vez, você se deu
mal. Estou com um lapetope fantástico aqui.
– É mesmo? – respondeu ele. – Pentium II?
– Xá ver aqui. Não, Pentium simples, Pentium
mesmo.
– Ho-ho-ho-ho! Ha-ha-ha-ha! Hi-hi-hi hi!
– O que foi, desta vez?
– Daqui a uns quatro meses, esse
equipamento seu estará completamente obsoleto.
Isso não se usa mais, rapaz, procure se orientar!
– Como não se usa mais? Todos os micreiros
amigos meus têm um Pentium.
– Todos os amigos, não. Eu, por exemplo,
tenho um Pentium II. Isso... Ninguém tem Pentium II!
– Eu tenho. Mas não é grande coisa,
aconselho você a esperar mais um pouco.
– Como, não é grande coisa? Entre todo
mundo que eu conheço é só você tem um e agora
vem me dizer que não é grande coisa.
– Você é um bom escritor, pode crer, digo isto
com sinceridade. Quantos megahertz você tem
nessa sua nova curiosidade?
– 132.
– Hah-ha-ha! Ho-ho-hihi!
– Vem aí o Merced, rapaz, o Pentium 7, não
tem computador no mercado que possa rodar os
programas para ele.
– E como você fica aí, dando risada?
– Eu já estou com o meu encomendado,
500 megahertz, por aí, nada que você possa
entender.
– Mas, mas…
Acordei suando, felizmente era apenas um
pesadelo. Meu amigo Zé Rubem, afinal de contas,
estaria lá, como sempre, para me socorrer. Fui
pressuroso ao telefone, depois de enfrentar mais
senhas do que quem quer invadir os computadores
do Pentágono.
– Alô, Zé! Estou de computador novo!
– Roda Windows 98? Tem chip Merced?
– Clic – fiz eu do outro lado.
( U B A L D O , J o ã o . D i s p o n í v e l e m
.
Consulta em 06/12/2012. Fragmento adaptado)