Francês 'de verdade'?
‘Egalité’, ou a igualdade, continua sendo um
conceito lindo, mas precisa ser posto em
prática
(Luana Génot)
O que é ser francês “de verdade”? A pergunta
ressoa com intensidade especial em 2024,
enquanto Paris sedia os Jogos Olímpicos. A
Cerimônia de Abertura foi memorável, marcada
pela presença feminina equivalente à masculina e
elementos simbólicos que reforçaram a imagem de
uma França diversa.
Um dos momentos mais icônicos foi quando
Axelle Saint-Cirel, uma cantora lírica negra, entoou
“La Marseillaise”, o hino francês no alto do Grand
Palais. A luta pela inclusão parece mais uma
maratona do que uma prova de 100 metros. No
entanto, há vitórias, ao longo do caminho, que
precisamos celebrar, como a performance da Aya
Nakamura. A escolha da cantora francesa foi
política e acertada.
Ela, que nasceu na França, foi atacada por não
ser considerada “francesa de verdade”, devido a
cor de pele e a origem maliana (sic). É questionada
até mesmo pela linguagem das suas letras,
incluindo a do hit “Djadja”, que usaria palavras que
não seriam “francesas de verdade”. Isso evidencia
a necessidade urgente de políticas públicas para
ajudar a evitar a categorização de pessoas.
Lembrando que, na França atual, sequer existe a
possibilidade de declarar raça e etnia nos
levantamentos demográficos, apenas gênero.
Logo, os números e políticas públicas sobre
inclusão ficam fragilizados. “Egalité”, ou a
igualdade, continua sendo um conceito lindo, mas
precisa ser posto em prática. Durante a Olimpíada,
também vimos a reação do público a
comportamentos racistas e transfóbicos. Os
argentinos foram vaiados em diversas partidas,
reflexo do comportamento observado na Copa
América. O grito de deboche dos argentinos
naquele contexto fazia referência à ascendência
dos jogadores franceses, muitos deles, filhos de
imigrantes. Além disso, atacavam o suposto
relacionamento do jogador Kylian Mbappé com
uma mulher trans.
Outro ponto alto da Cerimônia foi ver outros que
não nasceram na França e tiveram uma recepção
calorosa, como Rafael Nadal e Céline Dion. A
cantora canadense brilhou cantando o hino do amor
de Edith Piaf e o tenista espanhol carregou a tocha,
bem como outra lenda do tênis, a estadunidense
Serena Williams. Isso mostra que é possível ser
acolhedor; só precisamos expandir nossos limites
sobre quem é considerado como parte da
comunidade. É comum deduzir “franceses de
verdade” com base no nome, sobrenome ou cor da
pele. Se um motorista de aplicativo, por exemplo,
não é visto como branco, é classificado como
“árabe” ou “africano”, e, portanto, “menos francês”.
A Olimpíada 2024 é uma oportunidade para
refletirmos sobre conceitos como nação, cidadania,
pertencimento e como construir um futuro mais
acolhedor. A reflexão cabe também para o Brasil.
No caso da França, para que realmente se torne um
exemplo de inclusão, é essencial que elementos
que simbolizem a diversidade não sejam apenas
exibidos, mas que novas políticas públicas sejam
implementadas para apoiar práticas de igualdade,
liberdade e fraternidade. Somente assim
poderemos garantir, de algum modo, que todos,
independentemente de sua origem, cor da pele,
religião ou identidade de gênero sejam
reconhecidos e respeitados como franceses “de
verdade”.
(Disponível em: https://oglobo.globo.com/ela/luanagenot/coluna/2024/08/frances-de-verdade.ghtml. Acesso em 04 de
agosto de 2024)