Das vantagens de ser bobo
– O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para
ver, ouvir e tocar no mundo.
– O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por
duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa,
responde: “Estou fazendo. Estou pensando.”
– Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os
espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o
bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem à ideia.
– O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não
veem.
– Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias
que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como
simples pessoas humanas.
– O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver.
– O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes o
bobo é um Dostoiévski.
– Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo,
confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um
ar-refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era
novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea
onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo
sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a
opinião deste era a de que o aparelho estava tão estragado
que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro.
– Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé,
não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto
não dorme à noite com medo de ser ludibriado.
– O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota
que venceu.
– Aviso: não confundir bobos com burros.
– Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos
espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César
terminou dizendo a frase célebre: “Até tu, Brutus?”
[...]
É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz
o bobo.
Clarice Lispector