Leia o texto para responder à questão.
“Tire suas próprias conclusões”
Essa é a frase que mais tenho ouvido recentemente. Passada a euforia de uma notícia qualificada como “bomba”, logo
os atores de uma das partes corriam a público para disponibilizar a íntegra daquilo que antes foi veiculado em partes.
É preciso saber de tudo e entender de tudo. É preciso
tirar as próprias conclusões para não depender de ninguém,
e é esse o grande e contraditório imperativo dos nossos tempos. É uma ordem a uma experimentação libertária, e uma
quase contradição do termo. O imperativo que liberta também aprisiona: você só passa a ser, ou a pertencer, se tiver
uma conclusão. Sobre qualquer coisa.
Nas últimas décadas psicanalistas se debruçaram sobre
as mudanças nos arranjos produtivos e sociais de cada
período histórico para compreender e nomear as formas
de sofrimento decorrentes delas. A revolução industrial, a
divisão social do trabalho, a urbanização desenfreada e as
guerras, por exemplo, fizeram explodir o número de sujeitos
impacientes, irritadiços e perturbados com a velocidade das
transformações e suas consequentes perdas de referências
simbólicas.
Pensando sobre o imperativo “Leia/Veja/Assista” e “Tire
suas próprias conclusões”, começo a desconfiar de que estamos diante de uma nova forma de sofrimento relacionado a
um mal-estar ainda não nomeado.
Afinal, que tipo de sujeito está surgindo de nossa nova
organização social? O que a vida em rede diz sobre as formas
como nos relacionamos com o mundo? Que tipos de valores
surgem dali? E, finalmente, que tipo de sofrimento essa vida
em rede tem causado?
Vou arriscar e sair correndo, já sob o risco de percorrer
um campo que não é meu: estamos vendo surgir o sujeito
preso à ideia da obrigação de ter algo a dizer. Ao longo dos
séculos essa angústia era comum aos chamados formadores
de opinião e artistas, responsáveis por reinterpretar o mundo.
Hoje basta ter um celular com conexão 3G para ser chamado a opinar sobre qualquer coisa. Pensamos estar pensando
mesmo quando estamos apenas terceirizando convicções ao
compartilhar aquilo que não escrevemos.
É uma nova versão de um conflito descrito por Clarice Lispector a respeito da insuficiência da linguagem. Algo
como: “Não só não consigo dizer o que penso como o que
penso passa a ser o que digo”. Se vivesse nas redes que
atribuem a ela frases que jamais disse, o “dizer” e o “pensar”
teriam a interlocução de um outro verbo: “compartilhar”.
(Matheus Pichonelli, Carta Capital. 18.03.2016.
www.cartacapital.com.br. Adaptado)