Brasil, paraíso dos agrotóxicos
1 O Brasil vive um drama: ao acordar do sonho de
uma economia agrária pujante, o país desperta para
o pesadelo de ser, pelo quinto ano consecutivo, o
maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Balança
comercial tinindo; agricultura a todo vapor. Mas quanto custa, por exemplo, uma saca de milho, soja ou
algodão? Será que o preço de tais commodities – que
há tempos são o motor de uma economia primária
à la colonialismo moderno – compensa os prejuízos
sociais e ambientais negligenciados nos cálculos do
comércio internacional?
2 “Pergunta difícil”, diz o economista Wagner Soares, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). A Bolsa de Chicago define o preço da soja;
mas não considera que, para se produzir cada saca,
são aplicadas generosas doses de agrotóxicos que
permanecem no ambiente natural – e no ser humano
– por anos ou mesmo décadas. “Ao final das contas,
quem paga pela intoxicação dos trabalhadores e pela
contaminação ambiental é a sociedade”, afirma Soares. Em seu melhor economês, ele garante que as
“externalidades negativas” de nosso modelo agrário
continuam de fora dos cálculos.
3 Segundo o economista do IBGE, que estudou
propriedades rurais no Paraná, cada dólar gasto na
compra de agrotóxicos pode custar aos cofres públicos 1,28 dólar em futuros gastos com a saúde de
camponeses intoxicados. Mas este é um valor subestimado. Afinal, Soares contabilizou apenas os custos
referentes a intoxicações agudas. Levando-se em
conta os casos crônicos, acrescidos da contaminação ambiental difusa nos ecossistemas, os prejuízos
podem atingir cifras assustadoramente maiores. “Estamos há décadas inseridos nesse modelo agrário, e
estudos mensurando seus reais custos socioambientais são raros ou inexistentes”, diz.
4 Seja na agricultura familiar, seja nas grandes
propriedades rurais, “os impactos dos agrotóxicos na
saúde pública abrangem vastos territórios e envolvem diferentes grupos populacionais”, afirma dossiê
publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), entidade que reúne pesquisadores de
diversas universidades do país.
5 Não são apenas agricultores e suas famílias que
integram grupos de risco. Todos os milhares de profissionais envolvidos no comércio e na manipulação
dessas substâncias são potenciais vítimas. E, além
deles, “todos nós, diariamente, a cada refeição, ingerimos princípios ativos de agrotóxicos em nossos
alimentos”, garante uma médica da Universidade Federal do Ceará (UFC). “Hoje, todo mundo come veneno”, afirma um agricultor.
6 Produtores e especialistas alinhados ao modelo convencional de produção agrícola insistem: sem
agrotóxicos seria impossível alimentar uma população mundial em constante expansão. Esses venenos
seriam, portanto, um mal necessário, de acordo com
esses produtores. Agricultores garantem que não há
nenhuma dificuldade em produzir alimentos orgânicos, sem agrotóxicos, para alimentar a população.
Segundo eles, “a humanidade domina a agricultura
há pelo menos 10 mil anos, e o modelo imposto no
século 20 vem apagando a herança e o acúmulo de
conhecimento dos métodos tradicionais.”
7 Mas a pergunta que não quer calar é: será que
um modelo dito “alternativo” teria potencial para alimentar uma população que, até 2050, deverá chegar
a 9 bilhões? Certamente tem muito mais potencial do
que o agronegócio que, hoje, não dá conta nem de
alimentar 7 bilhões, retrucam estudiosos. Sistemas
de produção descentralizados têm muito mais condições de produzir e distribuir alimentos em quantidade
e qualidade. Precisamos de outra estrutura agrária –
baseada em propriedades menores, com produção
diversificada, privilegiando mercados locais e contemplando a conservação da biodiversidade. A engenheira agrônoma Flávia Londres assina embaixo
e defende que “Monoculturas são grandes desertos
verdes. A agroecologia, portanto, requer uma mudança paradigmática no modelo agrário, que resultaria,
na verdade, em uma mudança cultural”.
KUGLER, H. Revista Ciência Hoje, n. 296, v. 50. RJ: SBPC.
set. 2012. Adaptado.