Vocações
Na época do vestibular, minha sobrinha resolveu optar
pelo curso de Enfermagem. – Por que não Medicina? – foi a
infalível pergunta de muitos parentes e amigos. Moça paciente,
explicou que não queria ser médica, queria ser enfermeira.
Formou-se com brilho, fez proveitoso e bem sucedido estágio e
hoje trabalha em um grande hospital de São Paulo. Mas ainda
tem, vez ou outra, de explicar por que não preferiu ser médica.
Muita gente não leva a sério essa tal de vocação. Ela
levou. Poderia ter entrado, sim, no curso de Medicina: sua
pontuação no vestibular deixou isso claro. Mas alguma coisa
dentro dela deve ter-lhe dito: serei uma ótima enfermeira. E
assim foi. Confesso que a admiro por ter seguido essa voz
interior que nos chama para este caminho, e não para aquele.
Poucas pessoas têm tal discernimento quanto ao que
efetivamente querem ser. Em geral são desviadas dessa voz
porque acabam cumprindo expectativas já prontas, mais
convencionais. Calculam as vantagens, pecuniárias ou relativas
ao status, fazem contas, avaliam “objetivamente” as opções e
acabam decidindo pelo que parece ser o mais óbvio. Mas se
esquecem, justamente, da mais óbvia pergunta: Serei feliz? É
exatamente isso o que eu quero? Da falta desse fecundo
momento de interrogação saem os profissionais burocráticos,
sonolentos em seu ofício, vagamente conformados, que passam
a levar a vida, em vez de vivê-la.
Em meu último encontro com a sobrinha pude ver que
ela está feliz. Faz exatamente o que gosta, leva a sério uma das
mais exigentes profissões do mundo e se realiza a cada dia
com ela. E vejam que atua numa especialidade das mais
penosas: oncologia infantil. Desde seu estágio, envolveu-se
com seus pequenos pacientes, por quem tem grande carinho.
Tenho certeza de que eles encontram nela mais do que o apoio
da profissional competente; vêem-na, certamente, como aquela
irmã mais velha e indispensável nas horas difíceis.
Quando nossa vocação real é atendida, o trabalho não
enfada, não pesa como uma maldição. Cansativo que seja,
sentimos que estamos no ofício que é nosso, que nos ocupamos com algo que nos diz respeito e que, em larga medida,
nos define como sujeitos. Não é pouco; é quase tudo. É o que
parece dizer o olhar franco, aberto e feliz dessa jovem
enfermeira. Ela não trabalha “para” atingir algum objetivo, não
trabalha “para” viver, “para” ganhar a vida. Trabalhando, ela já
“é”. E isso não é invejável?
(Valentino Rodrigues)