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Ah! Se mestre Romão pudesse seria um grande compositor. Parece que há duas sortes de vocação, as que têm
língua e as que não a têm. As primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso
interior e a ausência de um modo de comunicação entre os
homens. Romão era destas. Tinha a vocação íntima da música; trazia dentro de si muitas óperas e missas, um mundo
de harmonias novas e originais, que não alcançava exprimir
e pôr no papel. Esta era a causa única de tristeza de mestre
Romão. Naturalmente o vulgo não atinava com ela; uns diziam isto, outros aquilo: doença, falta de dinheiro, algum desgosto antigo; mas a verdade é esta: – a causa da melancolia
de mestre Romão era não poder compor, não possuir o meio
de traduzir o que sentia. Não é que não rabiscasse muito papel e não interrogasse o cravo*, durante horas, mas tudo lhe
saía informe, sem ideia nem harmonia. Nos últimos tempos,
tinha até vergonha da vizinhança, e não tentava mais nada.
(Machado de Assis, “Cantiga de Esponsais”)
* cravo: instrumento musical de cordas